segunda-feira, janeiro 09, 2006

O Autor: Nascimento da Política dos Autores, Práticas Críticas e Influências Geracionais pt.4




Textos Escritos e Cineastas Reverenciados
Ironicamente, o primeiro texto a expandir estas posições não foi publicado no orgão atrás referido, mas na revista "Arts". Escrito por Truffaut e publicado em 1953, foi um ensaio sobre o cineasta Abel Ganc, onde Truffaut se queixa do tratamento negativo dado pela crítica aos filmes sonoros daquele cineasta, afirmando serem estes da mesma qualidade dos seus filmes mudos, na medida em que são expressões das mesmas ideias e do mesmo talento. Ademais, Truffaut contesta a noção de menoridade dos filmes ulteriores de Fritz Lang, Jean Renoir e Luis Buñuel, afirmando que apreciar um cineasta é apreciar todo o seu trabalho. No que à definição da "política dos autores" diz respeito, um texto importante é "De la Politique des Auteurs" de André Bazin, onde esta é resumida como "escolher no artistico o factor pessoal como critério de
referência e postular a sua permanência e até o seu prgresso de uma obra para as restantes".

Ainda assim, a mais polémica afirmação desta geração foi a sua idolatria por certos cineastas. Ainda que Sergei Eisenstein, D. W. Griffith e Jean Renoir tivessem sido sempre considerados artistas de pleno direito, a novidade estava em atribuir o mesmo estatuto a realizadores de estúdio como Howard Hawks ou Vincent Minnelli, e a pessoas como Orson Welles ( Citizen Kane, 1941 e The Magnificent Ambersons, 1942, prezado pelo seu retrato de génios incapazes de resistir ao Mal), Fritz Lang (Metropolis, 1929, e M, 1931, admirados pela sua técnica expressionista capaz de transmitir significado pelo retrato do espaço), Nicholas Ray (They Live By Night, 1949, e Rebel Without a Cause - 1955), e, claro está, Alfred Hitchcock (estudado como um exemplo de preparação maníaca e controlo total de cada imagem por modo a produzir um efeito especifico). Outros nomes defendidos eram Roberto Rosselini (Roma, Cidade Aberta, 1945, e Stromboli, 1949, um realista com fortes crenças cristãs e fortes preocupações morais) e Jean Renoir (La Grande Ilussion, 1937, e La Régle du Jeu, 1939, provavelmente o exacto oposto de Hitchcock, no sentido em que não era transparecia qualquer planeamento das suas intrincadas estruturas fílmicas). Esta idolatria era o resultado de uma aprendizagem feita de filmes b vistos em ciné-clubes, e elevou o género a forma de arte. O facto de a maior parte dos cineastas acima referidos terem sido maltratados durante a sua carreira levou a que esta geração pensasse em si mesma como a que iria terminar as injustiças frequentes no mundo do crítica, e direccionar a idolatria tradicional das estrelas para os criadores. Foi parcialmente bem-sucedida.
Apesar desse sucesso, a teoria tinha limitações que Truffaut, Godard e Rhomer, entre outros, experimentariam, nomeadamente a falta de sucesso comercial, o que levou o segundo, no seu Le Mépris (1963), e o primeiro, em La Nuit Américaine (1973), a sonhar com um cinema livre de produtores e de estrelas.
Curiosamente, o que a primeira geração dos Cahiers du Cinéma admirava e queria aprender era a técnica, e não o conteúdo das obras prezadas. Se a interpretação do enredo e de actos das personagens era comum nas suas críticas, a mudança da atenção do tema para a forma baseava-se na crença de que esta continha reverberações pessoais, políticas, ideológicas e metafísicas. Um exemplo é a célebre frase de Jean-Luc Godard "os travellings são uma questão de moral", típica de um processo de aprendizagem baseado na observação e na análise.

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O Autor: Nascimento da Política dos Autores, Práticas Críticas e Influências Geracionais pt.3

3.Contexto do Estabelecimento da Política dos Autores
A Criação de um espaço pessoal

Importa referir que o termo "política", aplicado neste contexto, não é um simples artificio retórico, mas uma forma de posicionamento em termos do futuro desta formação. Dado que todos desejavam fazer cinema no futuro próximo, necessitavam dinamitar um espaço para si mesmos num meio dominado por um pequeno numero de produtores e fechado à novidade. O panorama do cinema francês à época encorajava esse posicionamento. Por um lado, aquilo a que se chamava "Le Cinéma de Papa", um conjunto de adaptações literárias com valores seguros de produção mas académicas e inócuas. Truffaut cristalizou esta objecção num texto de 1954 intitulado "Une Certaine Tendance do Cinéma Français", comparando a este panorama estagnado a vitalidade do cinema americano, numa perspectiva inovadora, pois Hollywood era tradicionalmente considerada o espaço que tinha terminado a carreira de génios como Murnau e Eric von Stronheim, bem como uma espaço dominado pelo McCarthismo. Por outro lado, nenhum destes criticos se identificava com a crítica do seu tempo, considerada elitista e que sofria, de novo segundo Truffaut, de "sete pecados capitais": 1) falta de conhecimento da história do cinema; 2) total ignorância da técnica cinematográfica; 3) completa falta de imaginação; 4) uma injustificada preferência pelo cinema francês, devido às suas relações pessoais com os realizadores; 5) um tom paternalista e insolente; 6) a idade excessiva dos intervenientes; 7) a pretensão de julgar o trabalho de acordo com o que s acreditava serem as intenções do criador.
Cahiers du Cinéma: a plataforma
A plataforma para estas ideias foi a revista Cahiers du Cinéma, inaugurada em 1951 e a escola para toda a geração da Nouvelle Vague.
Ao longo da sua história, a revista sempre teorizou e contestou aquilo a que se chama "a função crítica". De acordo com esta perspectiva, a sua prática foi sempre a de que os filmes não deviam ser apenas compreendidos e desfrutados, mas igualmente fontes para de entendimento do mundo e da vida - o que pode ser explicado pelo facto de os fundadores da revista, André Bazin e Jacques Doniol-Valocroze, se perspectivarem como críticos de arte na tradição de Denis Diderot, que defendia essa mesma perspectiva. Sobretudo, a crítica cinematográfica era vista como uma actividade iniciática, cheia de virtudes para a actividade futura.
Quando esta formação se retirou da escrita e da teorização, a Cahiers du Cinéma tornou-se uma revista diferente, e vivendo um pouco do prestigio desta era, mas nunca deixou de produzir críticos interessantes que se tornaram, posteriormente, cineastas interessantes - Luc Moullet, Léos Carax e, acima de todos, André Téchiné, passaram pela redação. Sobretudo, um genuíno amor pelo cinema ainda enforma os seus conteúdos, e é dada atenção generosa às diversas cinematografias mundiais.
Correntemente, a revista encontra-se no numero 608.

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sexta-feira, janeiro 06, 2006

Horas Na Cinemateca - I

15h30m/ 4 de Janeiro de 2006/ The Grapes Of Wrath (1940) de John Ford

Sempre acreditei que John Ford, partilhando de algumas das ideias mais nocivas da América contemporanêa, as ultrapassava, através, sobretudo, do humanismo que lhes atribui. Por outras palavras, por detrás da comunidade rígida, do expansionismo, do conservadorismo, está o indivíduo, e a forma que este tem de se posicionar no mundo, de o tornar num lugar onde possa existir em paz. As ideias supracitadas não são, então, categorias vazias cuja utilidade reside no controle e no subsequente poder, mas uma ética que visa a harmonia.
A visão de The Grapes of Wrath mais não fez do que reforçar esta ideia. A adaptação do romance-charneira de Steinbeck elimina determinantemente quaisquer conotações politizantes, que aqui seriam forçosamente socialistas; é como se Ford fizesse suas as palavras de Tom Joad quando este interroga "what reds?". A terra surge aqui retratada não como meio de produção, muito menos como palco da luta de classes, mas como local de pertença, lugar que reflecte o ser. Em contrapartida, a representação dada aos "empresários" reforça a ideia de monopólio
que os despejos evidenciam, e, logo, está contra quaisquer canônes económicos de "direita", ao colocálos como vilões.

O que Ford filma é, assim, a revolta de um homem pequeno, que, ao voltar do cárcere, descobre que a família e os vizinhos foram expulsos dos seus lares pelos descendentes daqueles que lhos arrendaram havia várias gerações. A revolta, para um homem prático como Ford, é algo de inestético; o filme, tendo momentos de avassaladora beleza, jamais possui, no entanto, no tratamento da paisagem, o lirismo visual associado ao norte-americano. É como se a terra aparecesse no seu aspecto mais distante (paradoxo), indomável e díficil, austera e inalcançável para o homem esfarrapado que vagueia nas estradas e a ela pertence. O rosto humano passa a ser a maior paisagem desta história, onde cada ruga, cada inflexão e cada expressão são quadros evocativos do custo, da dor e da revolta na luta pela dignidade humana.

Um Ford atípico mas não menos seminal. E um que mostra, parafraseando muito livremente, que a moral não é questão de ideologia.

19h/ 4 de Janeiro/ La Ronde de Max Ophuls

E, de sopetão, descobri onde Martin Scorcese foi buscar a sua facilidade nos movimentos de câmara: Max Ophuls. À partida, contudo, pouco mais os liga: o americano é urbano, cinéfilo e telúrico-urbano (isto existe?); o europeu era cosmopolita, literado e crente no ilusionismo representativo. No entanto há, pelo menos em La Ronde - único Ophuls que vi até ao momento -, o mesmo movimento febril, a mesma voracidade, que nos melhores momentos do americano.

Não por acaso, a ronda do título é o movimento circular do carrossel amoroso de diversas personagens, na sua busca por algo que nunca virá - a felicidade. O sexo como porta de entrada para a realização sentimental ganha contornos de niilismo, única solução possível num mundo dominado pela convenção e pela "coquetterie", é pretexto para vários encontros rdundantes demonstrativos dos vicíos de certos escalões sociais, bem como de uma impossibilidade cósmica de alcançar o verdadeiro amor.

Com óptimas interpretações de nomes como Anton Wallbrock, Simone Simon, Simone Signoret, Serge Ferreri e Danielle Darrieux, e com um tratamento da luz e do cenário digno do expressionismo alemão via Sternberg de A Imperatriz Vermelha, destaca-se ainda por uma irrisão patente quer nos diálogos das seduções quer no "deus ex-machina" de Wallbrock: os sentimentos mal expressos de uns e a forma como o segundo trata as elipses do acto sexual encontram na comédia o escape para a incapacidade de fazer e para a impossibilidade de mostrar.

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Clássicos Esquecidos - III

1. Biografias

Anthony Mann – nascido a 30 de Junho de 1906 com o nome de Emil Anton Bundesmann, iniciou a sua carreira como actor teatral e posteriormente passou a encenador. Entrou no mundo do cinema pela mão de David O. Selznick, na função de assistente de realização, tendo-se estreado com Dr. Broadway (1942) para a Paramount. Os westerns que realizou com a participação de James Stewart são apenas parte do seu trabalho, tendo realizado igualmente films noirs de médio/baixo orçamento como T-Men (1947) e Raw Deal (1948). Os westerns nomeados no ponto 2 garantiram-lhe o estatuto de autor para a geração de jovens “turcos” da revista Cahiers Du Cinéma, mas a década de 60 viria a encontrá-lo a fazer produções históricas na Europa, dos quais se destacam El Cid (1961) e The Fall of the Roman Empire (1964). Viria a morrer em 1968, durante as filmagens de A Dandy in Aspic, filme completado pelo seu actor principal, Laurence Harvey. Antes disso, foi ainda despedido da realização de Spartacus pelo actor/produtor Kirk Douglas, e substituído por Stanley Kubrick.

James Stewart – paradigma de uma certa ideia de “americanidade”, herdada do New Deal e dos valores éticos e morais tipicamente americanos, Jimmy Stewart tinha, inicialmente, tendência para interpretar pessoas tímidas, honestas e gentis. Começou a representar em Princeton, onde estudava arquitectura e onde conheceu Henry Fonda e Margaret Sullavan, tendo-se estreado em 1935 com The Thin Man. Seguiram-se vários filmes de baixo reconhecimento público e crítico, até ter chegado a You Can’t Take It With You (1938) que inaugurou uma colaboração importante com o realizador Frank Capra, que haveria também de redundar em Mr. Smith Goes to Washington (1939) e It’s a Wonderful Life (1946). O trabalho com Capra viria a marcar o início de uma carreira majestosa, onde se incluem filmes como The Philadelphia Story (1940, George Cukor), The Mortal Storm (1940, Frank Borzage) e The Shop Around The Corner (1940, Ernst Lubitsch). Foi convocado para ir combater na Segunda Guerra Mundial – onde atingiu o grau de Coronel, e liderou um pelotão onde um dos Sargentos era Walther Matthau. A seguir à guerra, modificou a sua imagem, escolhendo papéis mais negros, num movimento que muitos consideram ter sido causado pelas experiências traumáticas que aí viveu. Marcam esta segunda fase da sua carreira, além do trabalho com Mann, as colaborações com John Ford (Two Rode Together, 1961, The Man Who Shot Liberty Valance e How The West Was Won, ambos 1962 e Cheyenne Autumn, 1964) e Alfred Hitchcock (Rope, 1948, Rear Window, 1954, The Man Who Knew Too Much, 1956 e Vertigo, 1958). Viria a morrer em 1997, depois de uma progressiva decadência profissional, no dia seguinte à morte de Robert Mitchum.

2. Inserção

Bend of The River (1952) é o segundo da série de cinco westerns realizados por Anthony Mann e protagonizados por James Stewart, e do qual fazem parte também Winchester 73 (1950), The Naked Spur (1953) e The Man From Laramie (1955). Narra a história de um condutor de uma caravana (personagem comum a outro filme da série, Naked Spur, e que é, tradicionalmente, alguém que conhece bem os territórios a percorrer e as técnicas a empregar nesse percurso), Glyn McLyntock, que espera esquecer o seu passado de assaltante na fronteira do Missouri e encontrar um local de pertença junto dos colonos por ele guiados. Nesse percurso, encontra Cole (Arthur Kennedy), igualmente “ex-raider” no mesmo Estado, e que também aparenta ter mudado de vida e de feitio. Cole junta-se ao grupo e estabelece-se como amigo de Glyn, até o trair, instigado por parte de alguns viajantes – contratados para desempenharem tarefas braçais – e interessado no ouro então descoberto na região. Stewart, perseguido juntamente com os colonos devido ao levantamento dos mantimentos adquiridos a um fornecedor interessado em especular o preço dos mesmos devido ao mercado criado pelos garimpeiros, torna-se, após a morte do fornecedor e depois da cilada, o perseguidor, jurando vingança pela traição supracitada. É bem sucedido, conquistando a confiança dos colonos e um lugar no espaço daqueles.
Prezado essencialmente pela modernização que trouxe ao western, é de notar que a obra em causa não faz tábua rasa das convenções clássicas do género, contentando-se antes em misturar ambas as vertentes (clássica e moderna) num mesmo filme. Assim, Bend of The River parte da mesma ideia de viagem, comum a filmes como, entre outros Stagecoach (1939, John Ford), conotada com a “conquista” do território americano. Deste modo, a dimensão espacial ocupa neste filme um importante lugar: tudo é feito em permanente comunhão com a Natureza, principal aliado dos colonos na luta contra os homens desonestos. Repare-se na sequência da luta, em elipse, de Glyn com Red e com dois assalariados, já depois da traição: Glyn começa por estar desarmado, e obtém a arma de Red; posteriormente, com essa mesma arma e em inferioridade numérica, mata os outros contratados. Só o pode fazer devido a um conhecimento profundo do terreno, e usando as ferramentas que ele lhe dá. Por outro lado, presente no monólogo em “voz-off” de Jeremy Baile para Gly McLyntock, e no consequente avanço rápido da narrativa através da ilustração desta fala, está a noção da Natureza como possibilitadora do renascimento. Tal visão concatena-se não só com a vontade de Glyn (ver ponto 3), mas igualmente com a visão civilizacional aqui proposta. Os colonos não defendem qualquer tipo de mito do “bom selvagem”, preferem antes um regresso aos fundamentos básicos da sua identidade comum, passível de ser alterada pelos vícios civilizacionais, dos quais o ouro é o mais forte modelo aqui presente. É, então, para evitar transformações como a que aconteceu à personagem de Laura Adams (transformada de pioneira “all-american girl” em trabalhadora de “saloon”) que o grupo trabalha. Depreende-se então que o mundo foi estragado pela mão humana, e, mais especificamente, por homens como Glyn tinha sido. O homem seguido ao longo de uma hora e meia procura, como outros na história do género, ser diferente.

3. Transformação

A modernidade aflora em Bend of The River através da complexidade das personagens principais, e, sobretudo, da ausência de maniqueísmo na sua descrição. Glyn McLyntock e Cole partilham um mesmo passado, nomeadamente, como já foi referido, o de assaltantes no Mississipi. A amizade que se estabelece entre ambos, e que a narrativa alimenta através das sucessivas sequências de salvamento da vida do outro, tem uma ilustração formal sintomática no plano de Cole arrastando-se no meio do combate com os índios Shoshone que se transforma num plano de Glyn na mesma posição, uns metros mais à frente, durante o mesmo combate. Da mesma forma que o combate final ambíguo, onde apenas o lenço que Stewart usa ao pescoço permite, a espaços, distinguir os dois intervenientes, contribui para esta visão.
Não há, pois então, qualquer espécie de personagem-tipo associável ao western, como um filme como My Darling Clementine (1946, John Ford) tem em Wyatt Earp ou Shane (1953, George Stevens) tem na sua personagem-título. E é especialmente relevante para a caracterização da personagem de Stewart que o único momento iconográfico presente em Bend of the River seja o irado amaldiçoamento de Glyn depois da revelação da personalidade de Cole. Mas também é especialmente transformador o facto de o mesmo acreditar piamente na possibilidade de ser aceite e integrado nos valores dos colonos. Há uma diferença grande entre esta crença e a prática comum de abandono do grupo pelo herói, numa fuga exemplificada referencialmente em Once Upon A Tme In The West (1966, Sérgio Leone), na pessoa de Charles Bronson. Se assim acontece, é porque, ao contrário da personagem acima referida, a de James Stewart encontra a sua redenção.

4. Redenção
As transformações acima mencionadas contribuem para e mesclam-se com a noção que nomeia este ponto. O próprio argumento refere-se, sobretudo no seguinte diálogo, a essa realidade:
Cole – McLyntock of the border a rancher… I don’t get it! Who are you running away from?
Glyn McLyntock – A man by the name of Glyn McLyntock.
Cole – What happens when he catches up with you?
Glyn McLytock – I don’t think he is going to catch up with me. I think he died in the Mississipi border.
A técnica continua esta noção da redenção, ao mudar pormenores em duas imagens similares: quando o filme começa, Glyn está em cima de um cavalo, numa posição paralela em relação ao grupo, que se move maioritariamente em cima de carroças; no final do filme, o cortejo engloba já Stewart, conduzindo uma das carroças.
A noção de redenção está igualmente relacionada com a oposição, visível após a hora de duração, entre as duas personagens principais. O paradigma que sustenta essa divisão é o livre-arbitrío. A diferença entre ambos acaba por ser uma questão de escolha pessoal, centrada na crença: o vil metal torna Cole céptico em relação à sua possibilidade de inserção numa comunidade, e este opta por regressar às suas origens criminosas. Glyn, pelo contrário, até na vingança procura um caminho para a integração, mesmo que aquela seja um paradigma contrário aos valores defendidos pelos colonos. Mas um pormenor no filme adianta já essa redenção final: a cobiça de Cole cai de forma igual sobre os colonos e sobre Glyn – inserindo-o assim no grupo -, da mesma forma que a vingança do último pressupõe a libertação dos primeiros e, recorde-se, a chegada da comida à parte desses colonos que não empreendeu viagem. Ou seja, na perspectiva de Cole, Glyn já faz parte dos colonos, apenas é mais perigoso do que eles, do mesmo modo que Glyn já trabalha para a comunidade a que quer pertencer.
No final, o combate no rio é como que uma lavagem dos pecados da figura principal, corporizada na perda do lenço que revela a cicatriz no pescoço. E, dentro do confronto entre faces da mesma moeda por muitos defendido em relação a esta série, a lavagem da “moeda má” é feita na mesma altura, no mesmo rio.
Assim, o confronto entre iguais (tecnicamente, ambos são pistoleiros do mais alto gabarito) destronou a simplicidade da luta entre contrários, numa transformação que, por exemplo, está presente em The Man Who Shot Liberty Valance .
5. Conclusão

A importância sociológica dos filmes destes filmes de Anthony Mann pode ser vista em duas medidas. Por um lado, se as transformações ideológicas e psicológicas decorrentes da Segunda Guerra Mundial puderam ser vistas em todos os géneros cinematográficos, no western foram ainda mais visíveis. Deu-se, por outras palavras, uma passagem de uma vertente comunitária suprema para uma forma fílmica onde o global coexiste, e muitas vezes entra em conflito, com uma profunda dimensão individual, e nalguns casos psicanalítica. O herói já não representa nada, a não ser a si próprio - e muitas vezes através de sentimentos vis como a cobiça, a fúria e a solidão -, tem que empreender uma acção para pertencer. Por outro lado, a Segunda Guerra Mundial, a consciência da violência existente tornou o western mais violento, e tornou a representação dessa violência mais imprevisível, mais gráfica e mais presente. Nesse aspecto, é interessante notar como Bend Of The River, na sua austeridade que, inclusivamente, elimina intrigas secundárias em favor do enredo principal, é um filme que, salvaguardando as devidas distâncias, quase se poderia chamar de Eisensteiniano, mormente em momentos como o da flecha Shoshone que, de repente e de rompante, fere a personagem de Julia Adams num ombro, ou como a descoberta de Glyn de Cole prestes a ser enforcado (um simples e veloz movimento facial do actor principal, seguido de um contracampo), são momentos de emoção que ganham a atenção do espectador um pouco à maneira do carrinho de bebé na escadaria de Odessa, sem a componente ideológica. A estética de Anthony Mann, misturando cenários de estúdios com as paisagens naturais do Oregon, é uma estética de pormenor, que visa retirar o máximo efeito do mínimo possível de meios – mesmo que a obra aqui tratada seja a sua primeira obra a cores, o que na década de 50 era sinal irrefutável de prestígio. Dois dos efeitos mais constantes nesta obra são a dor e a morte, optimizados pela mise-en-scène. O exemplo da optimização da dor encontra-se na já citada sequência do amaldiçoamento de Glyn a Cole, com um esgar incomparável de dor no rosto do norte-americano, auxiliado pelo contra-picado do plano, e o momento em que Cole mata um dos membros do grupo de contratados que com ele se rebelam, e este, que está de costas para a câmara e perto desta, cai lentamente para revelar Arthur Kennedy de arma em punho.
Todos estes factores somados revelam a importância deste filme, desta técnica e destas ideias quer para o que se convencionou chamar “western crepuscular” (Imperdoável, por exemplo – 1992, Clint Eastwood) e “western spaghetti” (a “trilogia dos dólares” de Sérgio Leone). Mann é, então, um dos fundadores da modernidade no mais americano de todos os géneros.

6. Bibliografia

BAZIN, André: “Évolution du western” in Cahiers Du Cinema Hors Série, nº 3, pp. 22-26

PYE, Douglas: “The Western (Genre and Movies)” in Film Genre Reader, pp. 143-158

LEGRAND, Gérard: “Duels de frères ennemis” in Positif, nº 394, Dezembro de 1993, pp. 98-101

RODRIGUES, António: “Bend Of The River” in Textos Cinemateca Portuguesa, Pasta 56, pp 171-172

SAADA, Nicolas: “Les western fiévreux d’Anthony Mann” in Cahiers Du Cinema, nº 470, Julho e Agosto de 1993, pp.18-23

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