quinta-feira, julho 07, 2005

Tempo para Viver e Tempo para Morrer

O mais curioso em Mar Adentro, de Alejandro Amenabar, é o facto de este apresentar a eutanásia como uma questão de vida. Por outras palavras, o filme nunca questiona o valor sagrado da vida, e o dever do indivíduo em honrá-la. Ainda assim, a sua posição é a de que o indivíduo deve decidir o que fazer com a sua vida, dado que esta dádiva é sua propriedade privada.

Ao narrar os anos finais da vida de Ramón Sampedro, um marinheiro espanhol preso à sua cama devido a um mergulho imponderado e que, consequentemente, trava uma batalha física e moral, durante trinta anos, para terminar a vida que não pode honrar ou disfrutar de forma digna, Amenabar nunca esquece que qualquer visão de uma obra social ou politicamente empenhada é moldada por valores e crenças pessoais. Assim, escolhe encetar um estudo psicológico de Sampedro, no que se transforma no pior defeito do filme, dado que estes artifícios são sempre demasiado óbvios para serem eficazes. O espectador é inundado de estimulos sentimentais, que vão desde a banda sonora, um misto melodramático de harmonias celtas e sons frequentemente apropriados e tocantes, mas também por vezes lamechas e exagerados, até à metáfora do mar como lugar de liberdade, gasta desde que Moby Dick foi publicado.

Contudo, os elogios merecidos por Mar Adentro vão inteirinhos para um factor emocional: o desempenho de Javier Bardem. Sem qualquer surpresa, o actor espanhol transpira credibilidade, e, como foi demonstrado em Em Carne Viva de Pedro Almodóvar e em Às Segundas ao Sol de Fernando Léon de Aranoa, foi abençoado com uma intuição capaz de tornar comovente uma leitura da lista telefónica. Embora desempenhe o papel de um tetraplégico, nunca resvala para qualquer tipo de maneirismo, e demonstra um imenso poder emocional apenas com a face, a voz e, sobretudo, com os olhos.

É importante referir que várias pessoas que privaram com Sampedro louvaram o retrato que dele é feito em Mar Adentro. Sampedro nunca é visto como uma figura ao serviço de um programa moral ou ideológico, mas antes como uma pessoa, com as suas frustrações, os seus deveres para com a sua familia e feroz na perseguição do seu objectivo: morrer. Esta contradição é, essencialmente, a fonte de interesse da personagem, pois esta nunca perdeu a sua joie de vivre.

No competo geral, Mar Adentro é um filme tocante, sobretudo devido ao seu actor principal, e não tanto devido à influência do realizador. Aliás, este filme parece ser um passo atrás na carreira de Amenabar, dado que a sua obra anterior, Os Outros (2002) era um thriller psicológico impecavelmente dirigido, e falha em transmitir a vitalidade que filmes como Tese (1996) e Abre os Olhos (1999) mereciam, mesmo se demonstra a capacidade de transmitir uma visão através de imagens de grande beleza e retratar muito capazmente acção em espaços fechados - neste caso, o quarto de Ramon Sampedro. Se o filme é um sucesso, provavelmente deve-o a Javier Bardem.

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