Contra João Lopes
Quero ser crítico de cinema. Assumo-o, sem qualquer vergonha mas também sem qualquer pedantismo. Não é pelo dinheiro, mas também não é pelo prestígio. É somente porque, a conseguir esse feito, juntarei na minha vida profissional duas das minhas obsessões: a palavra escrita e a celulóide em movimento.
Entro em guerras, desço ao nível dos outros, mas poucas vezes levo a coisa a peito. Faz parte, dá sal à tarefa – os inimigos são um bem precioso. Simultaneamente, considero a crítica não a arte de odiar, mas a arte de amar.
Sou forçado a entrar numa guerra que, a bem dizer, deveria pertencer a toda a blogosfera: a de lutarmos por sermos considerados como gente de ideias próprias e legítimas, independentemente de não estarmos na folha de pagamentos de qualquer publicação. Discuto por isso, alguns dos preceitos que João Lopes, figura incontornavel da crítica nacional há vinte e tal anos, nos textos “Borat”: 3 verdades e 4 ideias e A Cinéfilia Depois de Borat. Antes de avançar, digo apenas que não gostei particularmente de Borat, respeitando somente a ideia de provocar por modo a mostrar o mais mesquinho que há na América.
(…) parecendo que não, Amor de Perdição foi há 28 anos, ainda não tinham nascido alguns dos que, agora, parecem conhecer todas as linhas que escrevi seja sobre que assunto for. [Sublinhado meu]
A idade é, para João Lopes, um motivo de exclusão. Truffaut, como todos sabemos, começou a escrever com 61 anos e Jean-Luc Godard só tem publicados textos póstumos. Realmente, numa coisa Lopes tem razão: nenhum de nós teve vinte e tal anos de Expresso, de Diário de Notícias ou de Cinemateca. Não é que não possamos ter mérito; falta-nos currículo. Mas a ideia de um blogue servir de cartografia da educação cinéfila de alguém não lhe ocorre.
Já agora, o seu protegido e crítico bastante fraco, Tiago Pimentel, que idade tem?
Na prática, gera-se o mais primitivo dos efeitos tribais: quem não está na tribo (dos que admiram um determinado filme) só pode ser insultado e ridicularizado ou, na melhor das hipóteses, tratado como um pobre ignorante. E só por distracção se poderá julgar que esta descrição de alguns dos costumes dos nossos tempos é excessiva — bem pelo contrário, se tal descrição peca por alguma coisa, é por defeito.
No cinema, não há tamanha tribo, fechada e hostil, quanto a dos críticos. Quanto mais não seja por ser um mercado de trabalho complicado em termos de vagas. E, já que falamos de belicismo, posso lembrar a querela entre Lopes e Eduardo Prado Coelho a propósito de Parque Jurássico? Ou as de Prado Coelho com toda a gente a propósito de Amélie Poulain? E são eles os civilizados…
O que se passa é que essa pueril guerra de "exclusões" é o passatempo banal de muitos espectadores que se exprimem na Net, a maior parte das vezes visando uma entidade monstruosa a que, por desconhecimento ou desprezo, decidiram dar o nome de "crítica".
Entro em guerras, desço ao nível dos outros, mas poucas vezes levo a coisa a peito. Faz parte, dá sal à tarefa – os inimigos são um bem precioso. Simultaneamente, considero a crítica não a arte de odiar, mas a arte de amar.
Sou forçado a entrar numa guerra que, a bem dizer, deveria pertencer a toda a blogosfera: a de lutarmos por sermos considerados como gente de ideias próprias e legítimas, independentemente de não estarmos na folha de pagamentos de qualquer publicação. Discuto por isso, alguns dos preceitos que João Lopes, figura incontornavel da crítica nacional há vinte e tal anos, nos textos “Borat”: 3 verdades e 4 ideias e A Cinéfilia Depois de Borat. Antes de avançar, digo apenas que não gostei particularmente de Borat, respeitando somente a ideia de provocar por modo a mostrar o mais mesquinho que há na América.
(…) parecendo que não, Amor de Perdição foi há 28 anos, ainda não tinham nascido alguns dos que, agora, parecem conhecer todas as linhas que escrevi seja sobre que assunto for. [Sublinhado meu]
A idade é, para João Lopes, um motivo de exclusão. Truffaut, como todos sabemos, começou a escrever com 61 anos e Jean-Luc Godard só tem publicados textos póstumos. Realmente, numa coisa Lopes tem razão: nenhum de nós teve vinte e tal anos de Expresso, de Diário de Notícias ou de Cinemateca. Não é que não possamos ter mérito; falta-nos currículo. Mas a ideia de um blogue servir de cartografia da educação cinéfila de alguém não lhe ocorre.
Já agora, o seu protegido e crítico bastante fraco, Tiago Pimentel, que idade tem?
Na prática, gera-se o mais primitivo dos efeitos tribais: quem não está na tribo (dos que admiram um determinado filme) só pode ser insultado e ridicularizado ou, na melhor das hipóteses, tratado como um pobre ignorante. E só por distracção se poderá julgar que esta descrição de alguns dos costumes dos nossos tempos é excessiva — bem pelo contrário, se tal descrição peca por alguma coisa, é por defeito.
No cinema, não há tamanha tribo, fechada e hostil, quanto a dos críticos. Quanto mais não seja por ser um mercado de trabalho complicado em termos de vagas. E, já que falamos de belicismo, posso lembrar a querela entre Lopes e Eduardo Prado Coelho a propósito de Parque Jurássico? Ou as de Prado Coelho com toda a gente a propósito de Amélie Poulain? E são eles os civilizados…
O que se passa é que essa pueril guerra de "exclusões" é o passatempo banal de muitos espectadores que se exprimem na Net, a maior parte das vezes visando uma entidade monstruosa a que, por desconhecimento ou desprezo, decidiram dar o nome de "crítica".
De novo sem referir nomes, o crítico do DN também falha em olhar para o parceiro do lado: não há, na crítica portuguesa, ninguém mais exclusivo do que Pedro Mexia, sempre pronto a apontar defeitos a tudo e a todos. É, inclusivamente, esse pedantismo existencialista que torna os textos de Mexia interessantes.
No fundo, não conseguem compreender que a crítica (melhor ou pior) é feita de textos, ideias, pensamentos e perplexidades — e não dessa coisa divertida, mas superficial e arbitrária, que são as estrelinhas que se atribuem aos filmes.
Finalmente, concordamos. Mas, neste assunto, quem está a demonstrar ser superficial e arbitrário?
Antoine Doinel, o alter ego cinematográfico de François Truffaut, interpretado por Jean-Pierre Léaud, é aquele que, na entrada de uma sala de cinema, rouba uma fotografia de um filme de Ingmar Bergman que o fascinou (Mónica e o Desejo), mas também um leitor encantado de Balzac — está tudo em Os 400 Golpes (1959), um bom filme para começarmos a ser cinéfilos em vez de gastarmos tempo precioso a insultar o parceiro do lado.
E os imensos espaços, melhor ou pior preparados, que o tentam fazer? Ignorados pelo escriba, decerto. Ah, já agora, alguém apresente a Nouvelle Vague aos bloguistas portugueses, que nunca ninguém escreveu sobre esse movimento…
*****
Ambos os textos de João Lopes estão pejados de pedidos de discussão respeitosa de ideias. Pois, bem, por muito respeitosas que sejam as palavras, a postura de João Lopes nada tem de respeitoso. Quanto mais não seja porque não dá quaisquer provas de conhecer parte significativa da blogosfera nacional. E porque, acusando amiúde os outros de generalizar a crítica profissional, generaliza ele próprio a blogosfera – mesmo escrevendo frequentemente “alguns”.
Para quem é tão bom a demonstrar os erros da casa dos outros, que tal olhar para a sua própria casa, e escrever sobre os problemas da crítica cinematográfica? E, de caminho, perceber que nem sempre o meio é toda a mensagem?
Vai ser mandado um mail ao próprio a alertar para a existência deste post. Esperemos que ele se defenda, como é de direito. Peço a quem comente uma coisa: estamos a discutir a ideia, não a pessoa. João Lopes merece respeito, o mesmo que, diga-se, em parte nos nega.
Etiquetas: Discussão
7 Comentários:
Cara Helena:
por estranho que pareça, não tomei o que João Lopes escreveu pessoalmente, quanto mais não seja porque ele não o escreveu, decerto, a pensar em mim. Se dei essa ideia, não escrevi bem o texto.
Acho é que a blogosfera é uma total fonte de democratização,com o que de bom e mau isso acarreta. E, percebendo notoriamente que há bons e maus blogues, não vejo no texto de João Lopes qualquer referência aos beneficios que a blogosfera pode trazer à discussão cinéfila que ele apregoa.
Aprendi muito com João Lopes. Espero continuar a aprender. E acho que se podia ir buscar alguma gente muito sábia á blogosfera - e não estou necessariamente a falar de mim.
E, se o texto se chama "Contra João Lopes", é no mesmo sentido que Proust chamou a um livro "Contra Saint-Beuve" - contra a ideia, não contra a pessoa.
Às vezes sou um pouco violento a expor as minhas ideias - é um risco que corro. Mas realmente acho que também devia ser dado contraditório a quem tenta honrar o cinema na blogosfera. E isso sei que fazes.
João Lopes escreve de forma sapiente sobre alguns factores putrefactos da blogosfera, mas realmente deixa à porta os benefícios que a mesma possa acarretar e que o caro Lauro António tão bem tem apontado.
Não sou um cinéfilo de guerrilha, pretendo a união pela paixão em vez da edificação de um exército de réplicas que só idolatram um género ou movimento. O Cinema é Arte e a Arte toca-nos de forma Supra-Pessoal. Mas realmente, a carência de construtividade analítica de muitos textos espalhados pela Internet, exaspera-me graças à existência de algumas frases que se revestem de vibrações quase totalitárias. E ironicamente, esse absolutismo também pulula em textos de críticos da nossa praça... custa muito constatar a existência de alguém que ignore o facto de alguns de nós (geração de 80), termos crescido a visionar deslumbrados obras da Nouvelle Vague, obras do Expressionismo e outros movimentos vanguardistas. Nós existimos… quer por valores familiares, quer por paixões que desabrochavam numa idade tenra onde a maioria dos jovens ocupa o tempo e espaço com outras actividades. Nós tivemos acesso e alicerçamos as nossas paixões cinéfilas nessa cultura que os profissionais com anos jornalísticos apregoam… Nós existimos! Haja alguém (como a Alexandra Prado Coelho) que não nos prefira ignorar e que não prefira chafurdar de forma masoquista na lama de certos espaços blogosféricos.
Cumprimentos
i)O que é ser crítico de cinema? Não me parece que seja, nos tempos que correm, em que a blogosfera é, senão já a mãe da informação e opinião cinéfila, a palavra escrita, quando publicada em papel, a referência (embora também o possa ser). Neste sentido, e assumindo, desde já, uma amizade cinéfila que me une a ele, Miguel Domingues é crítico de cinema.
ii)João Lopes é crítico de cinema. Na minha opinião, entre os mais respeitáveis. Há muitos anos sabemos, para mim, novo cinéfilo, há meia dúzia de anos.
iii)Percebo Miguel Domingues quando se refere a uma luta de toda a blogosfera (mesmo que, em concreto, agora, eu não faça parte dela). Concordo com ele, no caso específico de João Lopes, numa sistematizada atenção ao que de negativo a blogosfera tem e num ignorar, ou um não fazer caso, daquilo que de positivo ela tem. Isto é: este blog onde esta discussão nasce, bem como de vários outros a encontrar em links deste e links desses (terei que os mencionar?).
iv)Utilizando o caso específico de “Amor de Perdição”, e a bem citada ideia de Miguel Domingues, a idade parece ser um problema para João Lopes, mesmo que ele utilize, também, defensivamente, a palavra “parece”.
v)Não concordando com Miguel Domingues acerca de Pedro Mexia enquanto crítico de cinema, a meu ver pouco interessante, há uma ideia sobre a qual importa pensar: há quanto tempo não há discussões apaixonadas entre críticos de cinema publicados? Não me lembro. Lembro-me, sim, de quase uniões sindicais quando um deles é questionado em domínios online. Ao mesmo tempo em que “a crítica” é, e bem, negada, enquanto unidade, a sete pés, pelos mesmos. Daí a estranheza em não se conhecer louvores públicos à nova blogosfera cinéfila. Passará também por aqui uma realidade, que entendo como portuguesa, de falar sempre naquilo que está mal, esquecendo-se daquilo que está bem?
vi)Tentando concluir, não está em causa, como bem disse Miguel Domingues, a pessoa João Lopes. Nem o crítico de cinema João Lopes (que a discussão seja o seu valor e enumero, muito possivelmente, outros sete pontos a confirmar o seu valor). Está em causa esta sua posição específica. Ou seja, o silêncio dos valores cinéfilos da Internet, neste caso essencialmente confirmados por espaços de enorme valor na blogosfera, em confrontação para um sempre alerta dos seus malefícios. Quando? Quando uma sua posição é mais questionada. Neste sentido, relembro um comentário de João Lopes no blogue Viver Contra o Tempo, da responsabilidade de Tiago Pimentel (a meu ver mal convocado para esta discussão por Miguel Domingues), encontrado aqui: http://www.blogger.com/comment.g?blogID=5839146&postID=115867605227462301
Aquando de uma maior democratização do blogue referido, João Lopes resolve comentar. Para quê? Para pôr em causa tal acção e muito claramente duvidar dela.
vii)Numa era em que a diversificação de opiniões, “boas” ou “más”, é cada vez maior, importa ter, também, uma cada vez maior atenção a outro mal: o da generalização. Ninguém, porque cada individuo é um individuo, a merece.
viii)Uma ideia para uma cinéfilia do século XXI? Reconhecer que ela continua a existir.
Daniel Pereira
Eis um comentário a latere (ou não):
Eu tenho o meu quê de papagaio e insisto que o que é necessário é formaçáo. Ou seja, conhecer e ver o que foi feito para trás. Porque só assim se pode aspirar a tentar tecer alguns comentários sobre o que se faz hoje.
O grande problema da maioria da blogsfera cinéfila, perdão "cinéfila" (este epíteto vale para 90% dela) prende-se com o facto de só conhecerem a má Hollywood. O pior é que será essa blogosfera que, provavelmente, estará na génese dos críticos que hão de vir.
Problema maior é quando vemos discursos absolutos (e, certamente, será a esses que João Lopes se dirige) que demonstram ignorância. A crítica e a "crítica" talvez estejam em crise. Talvez seja necessária uma revsão crítica. Cabe-nos a nós, enquanto apaixonados pelo Cinema, ajudar a que se faça luz. E, já agora, fazer com que, nesse caminho, alguns cheguem a críticos profissionais. Discutir é importante. Faz falta. Sobretudo quando a discussão tem conteúdo e não se fica pelos méritos de "soberbos" "filmes" como o recente Casino Royale.
Talvez haja uma questão prévia na blogosfera cinéfila ( e, mutatis mutandis, na crítica profissional): definir o que cada um entende por Cinema. É que aquele que eu gosto raramente é discutido quer pela crítica profissional quer pelos opinion makers blogosféricos (pior, raramente é exibido. Mas isso são contas de outro rosário...). Faz falta a divulgação. E, sinceramente, acho que o papel do crítico profissional, hoje em dia, passa por essa divulgação e não apenas pela atribuição de estrelas ao que vai saindo.
O Cinema não se esgota nas estreias. Está para além dele e o melhor está, calmamente, amontoado em arquivos poeirentos. Faz falta que o exibam e que se discuta sobre ele, transpondo-o para os dias que correm.
Por vezes pode não parecer, mas também não sou um cinéfilo de guerrilha. Ela só aparece quando vejo o Cinema vilipendiado. É precisa união para mudar isto, claro. Contem comigo.
E pronto, não escrevo mais por agora, que isto já vai longo.
Abraço
Gostei que tivesse escrito que QUER ser crítico de cinema: não há pachorra para falinhas mansas. A blogosfera é objecto de reticências, algumas justificadas. Mas parece-me que a sua importância crescerá muitíssimo nos próximos tempos. Também na crítica de cinema.
Já agora: eu não quero ser crítico...
Caros bloguers de cinema (e afins):
Aproxima-se a data das grandes definições quanto ao 1º Encontro Nacional de Blogues de Cinema (e afins), e às iniciativas que a ele estão ligadas. Como já informei, há dias, houve uma alteração nas datas do Famafest 2007 (definitivamente entre 16 e 24 de Março), o que leva a que o Encontro se realize entre 16 e 18. De resto, para mais informações, agradecia uma visita ao meu blogue, onde estão todas as informações:
http://lauroantonioapresenta.blogspot.com/2006/12/encontro-de-blogues-de-cinema-ltimas.html
Últimas votações para Work Shop e Melhores Blogues. Confirma a participação no Encontro. Vota os 10 Melhores Filmes de 2006.
Um abraço
LA
Desculpa lá meter a foice, mas há coisas bem mais estimulantes que fazer crítica de cinema (há qualquer coisa de intrinsecamente parasitário e repugnante na actividade dos críticos - o regurgitar dos mesmos clichés, viver à custa de quem realmente cria, etc). Eu pessoalmente até nem me importava, mas só se me pagassem principescamente. lol
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