Conversão ao narcisismo e outras estórias
A primeira impressão que se tem do momento em que Woody Allen aparece pela primeira vez em Scoop, é a velhice do nova-iorquino mais neurótico de todos. Mirrado, enrugado e com cada vez menos cabelo, é já como que um simulacro, uma lembrança longínqua daquela figura que viramos sair a dançar do consultório médico em Hanna e as suas irmãs (1986). Naturalmente, todo esse processo de envelhecimento se tem reflectido nos seus filmes. Não é apenas a repetição exaustiva dos mesmo métodos filmicos – ainda mais notória que a sua repetição temática. É muito mais a ideia de um caminho que, pelo que vem de trás, terá de continuar sempre na mesma direcção. Match Point (2005), melhor Woody Allen em muitos anos, não era exactamente uma cura para a doença que é o tempo. Era mais uma transfusão de sangue: dava energia durante um período limitado, mas não resolvia nada. A repetição não é um mergulho em si mesmo – à maneira de Ozu –, é uma fuga para a frente.
Chegados a Scoop, percebemos imediatamente que o efeito positivo da Inglaterra já se esgotou e que tudo encarrilou exactamente da mesma forma que antes. Esta sua última obra lida, como em Manhattan Mystery Murder (1993), por exemplo, com um par de investigadores bastante toscos, ele ilusionista com um discurso bafiento e repetitivo para todos aqueles que encontra, ela jovem sensual que tenta provar que o Assassino do Tarot é um galã podre de rico e de bom (cada vez admiro mais a competência de Hugh Jackman), e que descobrirão, por entre desventuras e algumas réplicas de grande nível, que afinal estavam sempre certos, como lhes disse o fantasma do jornalista que encontraram, e etc. e tal. Nada de novo, nada de anormal.
Todo o filme é, então, Allen igual a si próprio, sem surpreender, sem inovar, sem ferir. O que não quer dizer, contudo, que Scoop seja totalmente preterível. Enquanto houver piadas como “Comecei por ser judeu mas depois converti-me ao narcisismo” um bilhete será sempre justificado. Mesmo que isso, no limite, mais não faça do que lembrar o que já passou.
Um dos problemas do filme reside, inclusivamente, na escolha de Scarlett Johansson para nova musa do cineasta. As mulheres sempre foram, em boa verdade, muito mais importantes no universo de Allen do que os homens, e a prova disso é que enquanto Allen contou com pouquíssimos homens como participantes regulares nos seus filmes – Alan Alda e Tony Roberts são dos poucos que se destacam -, o panteão de musas allenianas é muito maior. Dianne Keaton, Mia Farrow, Dianne Wiest e Judy Davis são bons exemplos. Mas todas estas mulheres, sendo bonitas, não eram o portento de sensualidade que é Johansson. E, como tal, ao contrário desta última, nenhuma se presta a objectificação. E Scarlett, como, aliás, no resto da sua carreira, presta-se singularmente a ela.
Etiquetas: Impressões
1 Comentários:
DéjÀ vu, portanto
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