A Doce Anarquia dos Resistentes
I don't know about you, but it always makes me sore when I see those war pictures... all about flying leathernecks and submarine patrols and frogmen and guerillas in the Philippines. What gets me is that there never was a movie about POWs - about prisoners of war.
Realizado e reescrito em larga medida por Billy Wilder, Stalag 17 (1953) foi adaptado da peça homónima de Donald Bevan e Edmund Trzcinski. Visa, como o demonstra a citação em epígrafe, ser um filme sobre a realidade escondida dos prisioneiros de guerra, frequentemente camuflada sob apologias do heroísmo e do espectáculo adjacentes aos conflitos armados. Com um enorme travo cómico, passa-se já em 1944, numa altura em que a vitória nazi era já uma miragem, facto que os presos, todos sargentos, desconhecem.
Dentro do campo, e mais precisamente do pavilhão quatro do mesmo, a batalha continua. E é uma batalha selvagem, onde a luta contra o inimigo chega a ser secundária face à mera luta pela sobrevivência e pelo bem-estar. De facto, a animosidade entre nazis e americanos é menor do que a animosidade entre os próprios prisioneiros, especialmente desde que os sucessivos planos de fuga e artimanhas furados criaram a sensação de existência de um delator no próprio pavilhão. A escolha recai em Sefton, o cínico negociante, agente de apostas e tudo o mais que se possa imaginar, interpretado com uma inigualável frieza por William Holden (vencedor do Óscar de melhor actor por este mesmo desempenho).
Passa, inclusivamente, pela personagem de Holden a definição do ambiente vivencial do campo. Sefton percebeu a certa altura, que mesmo todos americanos, o ambiente em que se movia não se compadecia com qualquer solidariedade ou compaixão. É uma visão concomitante com a do film noir, um niilismo que se confunde com instinto de sobrevivência. O mal-estar dos outros prisioneiros para com este recluso deve-se muito mais à perda da ilusão da solidariedade do que com o factor da traição, que até lhe é posterior. Sefton põe a sua sobrevivência à frente dos interesses do grupo, do conflito e do patriotismo, demonstrando que o ser humano, em situações limite, preocupa-se consigo mesmo primeiro que tudo. Mais do que a traição, os seus “companheiros” ressentem a quebra da ilusão.
A par com um estudo da psicologia de grupos e dos mecanismos que conduzem à nomeação de um bode expiatório, Stalag 17 é também um filme sobre a doce anarquia dos resistentes. Utilizando sobretudo a palavra e a irrisão como armas, os sargentos são um grupo que luta como pode contra o domínio a que estão sujeitos. Exemplo disso são os inefáveis Harry Shapiro e Animal, os mais eficazes comic-reliefs de que me consigo lembrar, e o seu estratagema para se juntarem às mulheres russas em processo de desparasitação, mas também a encenação de um comício hitleriano, com a ajuda do imitador de serviço, somente com o objectivo de chatear um dos oficiais. Não interessam os resultados práticos, interessa o combate, com todas as armas possíveis, por modo a manter a sensação individual de liberdade e de poder.
De uma tensão quase palpável, para o que terá contribuído a filmagem sequencial das cenas, por modo a que só no final da rodagem os actores soubessem quem era o traidor, a testosterona acumulada terá de encontrar forma de se libertar, ou não fosse este um filme de Billy Wilder. Assim, uma das sequências mais memoráveis de todo o filme é a da festa de Natal, onde todos os homens dançam uns com os outros, ao som de um libidinoso standard. Tanto quanto um filme sobre a traição, está-se perante um filme sobre as diferentes matizes da sobrevivência num contexto repressivo. Psicologicamente, é um filme que mostra a constante capacidade de adaptação do Homem às circunstâncias que o rodeiam, as mil e uma formas de sobrevivência e de ilusão de normalidade.
Destaque-se ainda a excelente participação de Otto Preminger no papel de chefe do campo, uma pequena piada cinéfila, se considerada a fama de tirano do outro cineasta austríaco, e o modo como Wilder trabalha o espaço fechado do pavilhão, fazendo sempre um excelente uso da profundidade de campo na definição do ambiente. E poucos são os cineastas que conseguiriam fazer uma revelação tão importante quanto a descoberta do traidor de uma forma quase exclusivamente visual e coreográfica, sublinhada pelo cantar em fundo do clássico When Johnny Comes Marching Home Again.
Como já disse Luís Miguel Oliveira, para Wilder, que perdeu a família nuclear num campo de concentração, o tratamento da Segunda Guerra Mundial no cinema era uma questão de vingança pessoal. Que a faça de uma maneira tão competente quanto esta, marcando sem dúvida a sua carreira, é a marca de um verdadeiro grande cineasta.
Realizado e reescrito em larga medida por Billy Wilder, Stalag 17 (1953) foi adaptado da peça homónima de Donald Bevan e Edmund Trzcinski. Visa, como o demonstra a citação em epígrafe, ser um filme sobre a realidade escondida dos prisioneiros de guerra, frequentemente camuflada sob apologias do heroísmo e do espectáculo adjacentes aos conflitos armados. Com um enorme travo cómico, passa-se já em 1944, numa altura em que a vitória nazi era já uma miragem, facto que os presos, todos sargentos, desconhecem.
Dentro do campo, e mais precisamente do pavilhão quatro do mesmo, a batalha continua. E é uma batalha selvagem, onde a luta contra o inimigo chega a ser secundária face à mera luta pela sobrevivência e pelo bem-estar. De facto, a animosidade entre nazis e americanos é menor do que a animosidade entre os próprios prisioneiros, especialmente desde que os sucessivos planos de fuga e artimanhas furados criaram a sensação de existência de um delator no próprio pavilhão. A escolha recai em Sefton, o cínico negociante, agente de apostas e tudo o mais que se possa imaginar, interpretado com uma inigualável frieza por William Holden (vencedor do Óscar de melhor actor por este mesmo desempenho).
Passa, inclusivamente, pela personagem de Holden a definição do ambiente vivencial do campo. Sefton percebeu a certa altura, que mesmo todos americanos, o ambiente em que se movia não se compadecia com qualquer solidariedade ou compaixão. É uma visão concomitante com a do film noir, um niilismo que se confunde com instinto de sobrevivência. O mal-estar dos outros prisioneiros para com este recluso deve-se muito mais à perda da ilusão da solidariedade do que com o factor da traição, que até lhe é posterior. Sefton põe a sua sobrevivência à frente dos interesses do grupo, do conflito e do patriotismo, demonstrando que o ser humano, em situações limite, preocupa-se consigo mesmo primeiro que tudo. Mais do que a traição, os seus “companheiros” ressentem a quebra da ilusão.
A par com um estudo da psicologia de grupos e dos mecanismos que conduzem à nomeação de um bode expiatório, Stalag 17 é também um filme sobre a doce anarquia dos resistentes. Utilizando sobretudo a palavra e a irrisão como armas, os sargentos são um grupo que luta como pode contra o domínio a que estão sujeitos. Exemplo disso são os inefáveis Harry Shapiro e Animal, os mais eficazes comic-reliefs de que me consigo lembrar, e o seu estratagema para se juntarem às mulheres russas em processo de desparasitação, mas também a encenação de um comício hitleriano, com a ajuda do imitador de serviço, somente com o objectivo de chatear um dos oficiais. Não interessam os resultados práticos, interessa o combate, com todas as armas possíveis, por modo a manter a sensação individual de liberdade e de poder.
De uma tensão quase palpável, para o que terá contribuído a filmagem sequencial das cenas, por modo a que só no final da rodagem os actores soubessem quem era o traidor, a testosterona acumulada terá de encontrar forma de se libertar, ou não fosse este um filme de Billy Wilder. Assim, uma das sequências mais memoráveis de todo o filme é a da festa de Natal, onde todos os homens dançam uns com os outros, ao som de um libidinoso standard. Tanto quanto um filme sobre a traição, está-se perante um filme sobre as diferentes matizes da sobrevivência num contexto repressivo. Psicologicamente, é um filme que mostra a constante capacidade de adaptação do Homem às circunstâncias que o rodeiam, as mil e uma formas de sobrevivência e de ilusão de normalidade.
Destaque-se ainda a excelente participação de Otto Preminger no papel de chefe do campo, uma pequena piada cinéfila, se considerada a fama de tirano do outro cineasta austríaco, e o modo como Wilder trabalha o espaço fechado do pavilhão, fazendo sempre um excelente uso da profundidade de campo na definição do ambiente. E poucos são os cineastas que conseguiriam fazer uma revelação tão importante quanto a descoberta do traidor de uma forma quase exclusivamente visual e coreográfica, sublinhada pelo cantar em fundo do clássico When Johnny Comes Marching Home Again.
Como já disse Luís Miguel Oliveira, para Wilder, que perdeu a família nuclear num campo de concentração, o tratamento da Segunda Guerra Mundial no cinema era uma questão de vingança pessoal. Que a faça de uma maneira tão competente quanto esta, marcando sem dúvida a sua carreira, é a marca de um verdadeiro grande cineasta.
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Shapiro: Hey Schultz, sprechen Sie Deutsche?
Sgt. Schulz: Ja?
Shapiro: Then droppen Sie dead!
Etiquetas: Impressões
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