segunda-feira, fevereiro 19, 2007

A Fome de uma Alternativa




O trailer de Little Children, segunda obra de Todd Field depois do excelente In the Bedroom (2001), é enganador. Não estamos apenas perante um estudo da infidelidade, das suas razões, métodos e consequências. Estamos também perante um estudo, a um tempo tranquilo e emocional, sobre os subúrbios norte-americanos, sobre as pulsões individuais e sobre o modo de lidar com elas.





Vamos por partes. O casal central à trama, a sublime Kate Winslet e o excelente Patrick Wilson (de Angels in America, onde já dava mostras de um singular talento enquanto personificação da corrupção da inocência americana), desenvolvem a sua relação extraconjugal enquanto escape de uma realidade limitadora dos seus sonhos e perspectivas. Ela, licenciada em Literatura Inglesa que é mãe a tempo inteiro, ele, candidato renitente a advogado melindrado por não sustentar a casa, nada mais procuram do que a possibilidade de um sonho, de serem levados a sério, de terem quem acredite nas suas potencialidades. Esta é uma relação que não existe nos termos normais das relações. Não há qualquer conhecimento de personalidades, gostos partilhados, ou futuro. Todas estas vertentes são substituídas pelo desejo físico e pela oportunidade.
Esta é uma relação que se gera, em grande medida, enquanto reacção ao contexto em que vivem. Os subúrbios em geral, e os americanos em particular, pela existência em grande número de donas de casa cujas únicas ocupações são a criação da descendência e a coscuvilhice, fazem das zonas residenciais não simples dormitórios, mas miniaturas do espaço público. E se o que é pequeno dá segurança e controlo, também é o que gera o sufoco. A relação entre Sara e Brad é, desde o início, com a sequência do beijo junto aos baloiços, um desafio a estas normas. Nesse aspecto, não há qualquer vontade individual nesta relação a não ser a vontade de libertação. E é sintomático que, aquando da tomada consciente da decisão da fuga, as circunstâncias se conjuguem para a impedir. Fora daquelas condições, e quando o jugo castrador da moral parece ter perdido o poder, os sentimentos dissolvem-se no ar.
O episódio do exibicionista é sintomático de todas estas problemáticas, ao tratar de alguém que regressa a um cenário hostil, falha em resistir aos seus desejos e acaba por saber apenas lidar com a visão que os outros têm deles e que ele passa a ter de si próprio da maneira mais sangrenta e dolorosa. Os finais de ambas as tramas narrativas demonstram, então, que o filme é, mais do que sobre resoluções, sobre feridas abertas que não mais fecharão.

Se Little Children é um excelente filme, não o é apenas pelo tratamento clínico que Todd Field dá às temáticas tratadas. É, sobretudo, porque o consegue fazer com uma facilidade cinematográfica notável, e com uma incrível atenção ao pormenor. Repare-se na cena de abertura, plena de inserts dos relógios e dos bonecos de porcelana, a sequência de travellings que, confinados ao espaço da piscina municipal, demonstram soberbamente a passagem do tempo e o aprofundar de uma relação, ou a economia do jantar que junta traidores e traídos, e encontrar-se-á um realizador capaz de, através dos mais pequenos sinais, definir um universo. E, se fala tanto e tão gratuitamente de Stanley Kubrick, porque não radicar Todd Field no olhar sirkiano sobre os subúrbios e no bisturi penetrante de Otto Preminger?

Etiquetas:

1 Comentários:

Blogger Capitão Napalm disse...

Sirk, exacto.

1:07 da manhã, fevereiro 21, 2007  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial


Free Hit Counter