sábado, fevereiro 24, 2007

Horas na Cinemateca VIII



Europa 51 (1952) é, inegavelmente, um dos maiores filmes da história do Cinema, um monumento à sua arte como, de novo, um monumento à mulher amada, um petardo emocional como poucas vezes vi na minha ainda curta vida.
Nele, Roberto Rossellini faz a passagem, continuada, pelo menos, até ao fim da sua relação laboral e pessoal com Ingrid Bergman, de um testemunho dos tempos pós-guerra a – diferença fundamental – ao modo como as classes mais abastadas, a burguesia que iria fazer e lucrar com o milagre económico dos anos 50, viam a sociedade do seu tempo. Este é um cinema social, sem dúvida, mas que coloca no seu centro o drama de quem quer intervir socialmente longe de ideologias e credos. O drama pertence, por assim dizer, ao espírito livre, e tudo se jogará na relação deste com a moral da sua época.



Não fosse o italiano um humanista como já há poucos, e estaríamos no domínio da caricatura, da sátira ou da crítica de costumes. Não estamos, porque interessa a Rosselini um processo de transformação interior, independentemente de credos ou de ideologias. É uma transformação inexplicável, para a qual, mais do que a morte do filho, terá contribuído a (re) descoberta do sofrimento em tempos de posteridade. Naturalmente, a sociedade, que cataloga como meio de controlo, não tolerará a existência de alguém que escape a esses pressupostos. Mesmo quando o camelo passa pelo buraco da agulha, predomina S. Tomé. O calvário desenvolve-se, e Cristo e Francisco de Assis (foi, aliás, a denominação do santo como louco por parte de Aldo Fabrizi, ao conhecer a sua história durante a rodagem de Francesco Giulliare di Dio, que motivou Rossellini a fazer Europa 51) encarnam numa mulher.
A eficácia desta obra-prima reside essencialmente em duas coisas: no seu tom emocional, que nunca cai no ridículo por não ter medo de o fazer, e na forma de filmar de Rossellini, cristalizada e plena de eficácia e economia. O Cinema popular é isto: traz o espectador para junto das personagens, mesmo as mais difíceis de explicar, é feito de modo a facilitar a compreensão e emociona com sagacidade e pureza. Em filmes destes é fácil e enriquecedor entrar e descobrir. Fossem todos assim.



***



Por altura de Viaggio a Italia (1954), já Bergman e Rossellini se estavam a separar. Este é, então, o filme da desagregação, uma história onde a difícil arte da esgrima conjugal é praticada perante os olhos do espectador. De uma frieza que nada tem a ver com a postura do filme anterior, Rossellini opta por fazer confluir nele um simbolismo óbvio (as diversas viagens de Katherine pela paisagem e pelos monumentos napolitanos, com os vapores sulfurosos do Vesúvio e a influência dos esqueletos nos vivos.) com uma literalidade clara e perceptível, despojada e imediata. É um filme bastante esparso, rarefeito e linear, e bastante menos humano que o seu prodigioso antecessor.


Nada disto é defeito, mas dá-lhe um lado anti-climático que não se esperava. Não é um mau filme, longe disso, mas não me pareceu a obra-prima por vezes apregoada.
Deixem-me pôr este de lado um pouco, vê-lo-ei daqui a uns tempos. Mas que me interessa? Poderei rever na minha cabeça Europa 51 as vezes que for preciso. Por agora, chega-me e sobra-me.

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2 Comentários:

Blogger Hugo disse...

No viaggio, o que me deixa sempre aturdido é a interpenetração do erstado de espírito de Bergman e dos vários monumentos que vai visitando (será que lhe podemos chamar sinestesia?...). Agora o Europa '51 é mesmo outra fruta: nele Rosssellini cristaliza toda a Europa. E o seu pano de fundo/ponto de partida é Bergman. Génio absoluto!

1:45 da manhã, fevereiro 25, 2007  
Blogger Pedro Ludgero disse...

Talvez "Europa 51" seja o fim de uma História, e "Viaggio in Italia" o início de outra. Como se Rossellini tivesse, de algum modo, abandonado o "cinema", mesmo tendo continuado a fazê-lo.

3:37 da tarde, fevereiro 26, 2007  

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