domingo, abril 02, 2006

Encontro de Sádicos


O valor de um filme em segmentos realizados por diferentes cineastas depende, naturalmente, da qualidade isolada de cada um desses segmentos. Retomando uma tradição que proliferava no cinema europeu dos anos 50 e 60, Takashi Miike, Fruit Chan e Chan-wook Park, respectivamente japonês, chinês e coreano, juntaram-se para um filme em três episódios, denominado "3…Extremes", que, forçosamente, não foge à regra. É, em essência, esse o factor que o torna num filme insatisfatório.


A nível de morbidez e de inventividade temáticas, raros são os objectos equiparáveis a "Dumplings" (perdoe-se o esquecimento da tradução portuguesa), concebido por Fruit Chan. Uma actriz a envelhecer dirige-se a casa de uma habitante de um bairro periférico para experimentar os seus bolinhos, conhecidos pelo seu efeito rejuvenescedor. A habitante é também abortadeira, usando os embriões como principal ingrediente dessas iguarias…
É importante lembrar que este foi o único episódio transformado pelo seu autor em longa-metragem. Tal é notório pela forma sintética como a acção é mostrada, deixando antever mais do que é mostrado, mas interfere com a qualidade do filme. Pela amostra dada, diga-se que parece estar-se perante um objecto sólido mas algo académico, de uma escatologia e de uma violência visual inolvidáveis – conferir cena do aborto de uma jovem violada pelo seu pai.


Se o governo português cobrasse um imposto pela estilização cinematográfica, Chan-wook Park já tinha acabado, sozinho, com o défice das nossas contas públicas. Assim o prova "Cut", desgarrada história de um figurante que rapta o seu realizador fetiche e a esposa deste, como vingança pelo estado miserável em que a sua vida se encontra, especialmente quando comparada com a próspera vida do realizador.
Chan-wook Park é um esteta, e isso nota-se à distância, pela acção que decorre no huis clos dum set cinematográfico e pela abundância cromática da sua curta-metragem, onde, cenograficamente, o xadrez do chão convive com o azul escuro das paredes. Mas "Cut" destaca-se pelo sadismo na relação de Park com as personagens, de que são exemplos o esquema para imobilizar a esposa do realizador, bem como os dedos que a esta são cortados, de uma forma quase burlesca. Quando o rapaz que se senta no sofá, parte mais misteriosa do enredo, exclama “Vou-me vingar!”, o espectador conhecedor do cinema do coreano não pode evitar sorrir…

De Takashi Miike, o respeito pela obra anteriormente vista impede grandes elaborações sobre "Box". História de confronto familiar e de pesadelos, perde-se num estilo pretensamente poético, armado ao pingarelho e fútil. Foi este o realizador que nos deu o soberbo "Audition"? Custa a acreditar.


O balanço é simples: Park pulveriza os outros dois, e mostra ser um dos mais estimulantes realizadores recentemente descobertos. O seu segmento, dos melhores momentos de cinema que 2006 trouxe, só não sofre com as curtas-metragens que o rodeiam porque demonstra mais audácia, imaginação e ideias que noventa e nove por cento das longas-metragens que por aí andam. "3…Extremes" é "Cut" e o resto é paisagem.

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3 Comentários:

Blogger Daniel Pereira disse...

Ainda não fui ver este "3...Extremes", mas que tenho dificuldade em gostar destes filmes episódicos, tenho. Cá vão alguns: "O ABC do Amor", do Woody Allen; o "11-09-11" sobre o 11 de Setembro; "Coffee and "Cigarettes", do Jim Jarmush. Mesmo que tenham episódios bons, nunca me satisfazem enquanto objecto único que é, afinal, como nos são apresentados. Depois de ver este digo mais qualquer coisa.

9:09 da tarde, abril 02, 2006  
Blogger gonn1000 disse...

Muito estilo, pouca substância. A curta do Chan até promete, a do Park é um aparentado de "Saw" (o que não é um elogio) e a do Miike sabe-se lá o que é (também não fiquei com vontade de saber). Mesmo enquanto filme-choque achei que tem pouco impacto, ao contrário do que tinha lido.

5:47 da tarde, abril 10, 2006  
Blogger Daniel Pereira disse...

Cá estou, como prometido. Concordo, quase em pleno, contigo.

"Cut" é o melhor, de longe, com a perversidade do figurante a equiparar-se à belza visual do filme.

"Dumplings" é fraquinho e os últimos minutos um desastre. Ainda assim, não resisto à atenção ao promenor como só os orientais parecem ser capazes.

"Box" é, de facto, uma porcaria pretensiosa, embora com um interessante trabalho sobre o som. Mas antes lá não estivesse.

5:30 da tarde, abril 18, 2006  

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