segunda-feira, março 06, 2006

A Teoria do Caos


Munique é assustador. Nele, Steven Spielberg assume não o medo, não a raiva, não o preconceito, mas a tristeza como característica essencial do nosso tempo. É um filme assombrado por aquilo que permitiu o desenrolar da violência, pelo sentimento imperioso, de ambos os lados, de vingar o que quer que tenha acontecido, redundando no perpetuar do conflito. Em suma, apresenta-se como uma das obras mais importantes dos nossos dias, pela sua isenção, pela sua intervenção no presente, pelo seu desejo de paz duradoura que permita um futuro.
Será esta história de um grupo de operacionais da Mossad (serviços secretos israelitas) encarregues de matar os alegados perpetradores e planeadores dos atentados terroristas que mataram onze atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de 1972, um típico filme de Spielberg? Se isso existe, é e não é. Spielberg peca amiúde pela ausência de coragem moral, pela vontade constante de aplacar os demónios adjacentes às suas histórias, de atar pontas soltas com uma mediania crente no equilíbrio do Universo. Munique é a sua teoria do caos, não apenas no sentido científico de uma relação extrema de causa e efeito (que também existe), mas no sentido de uma total falta de fé na bondade, de uma total crença em Infernos irredimíveis para os homens. Também por isso, é um filme que dispensa quaisquer artifícios espectaculares, e onde a estética da violência existe apenas para sublinhar o seu lado terrível.
Em abono da verdade, Spielberg não é tematicamente unidimensional, e filmes como Parque Jurássico e Amistad, ainda que falhados, provam uma tentativa constante de pegar pelos cornos temas “filosoficamente”importantes. Inclusivamente, A.I., Relatório Minoritário e A Guerra dos Mundos (três filmes fantásticos) deram à sua obra uma negritude mimética do inconsciente colectivo contemporâneo. Mas neste seu último opus o norte-americano (por vezes, demasiado norte-americano) atinge o sublime, no sentido aristotélico do termo, de uma forma que expande inclusivamente o que já tinha feito com A Lista de Schindler. Em Munique, o terrível aparece com uma intensidade e uma humanidade que destrói quaisquer crianças de vermelho num filme a preto-e-branco. Quando, depois de matarem brutalmente uma prostituta assassina que, aliás, não era um alvo no contrato, o grupo de homens seguidos a deixa nua apenas como estratégia de humilhação, sabemos que ali estão seres humanos cujas debilidades são exacerbadas pelo estado do mundo. Presentemente, não seremos todos assim?
Nestas quase três horas, Spielberg prova uma verdade universal: quando se é atacado por ambos os lados de um conflito, está-se no sítio certo. Se este blog desse notas, estaria encontrado o único filme dos últimos tempos que merecia um valor mais do que a nota máxima.

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5 Comentários:

Blogger Ricardo disse...

Spielberg é o maior dos artistas da actualidade.

Se os Óscares correspondessem à verdade qualitativa, pelo menos por uma vez na vida, este era o filme de todos os galardões.

10:28 da manhã, março 06, 2006  
Anonymous Anónimo disse...

Comentários à derrota deste grande filme nos óscares. Pessoalmente nao tenho opinião formada porque ainda nao tive o prazer de ver MUNIQUE, mas com tantas nomeações, boas críticas e nenhum óscar? Dá-me ideia que esta Academia está cada vez mais a ficar mais virada para o comercial, ou nem por isso?
Ou então,este ano, optou pela surpresa...
Gostava de ouvir o teu comentário!

1:29 da tarde, março 06, 2006  
Blogger Hugo disse...

Grande Miguel,

infelizmente não somos nós a votar na dita "Academia" (ok, ok...eu confesso que votava no Brokeback. É a minha veia não convencional a falar).

E numa coisa o Ricardo tem razão: o Spielberg está em grande, provando à suficiência que não perdeu nenhuma das qualidades. E convenhamos que este Spielberg "adulto" (por contraposição ao do Indiana Jones) é uma bela duma enorme revelação...

1:59 da tarde, março 06, 2006  
Anonymous Anónimo disse...

Li com interesse a tua exposição sobre o Munique, uma das melhores coisas que li pela net sobre o filme pela sua abordagem mais filosófica do que meramente cinematográfica.
Não tendo ficado tão arrebatada pelo filme como tu, reconheço que muito do que disseste é um bom tema para reflexão.
Afinal, mais que uma mera ficção histórica, o filme é sobre a condição humana...

5:11 da tarde, março 08, 2006  
Blogger Miguel Domingues disse...

Acho que os Óscares foram uma reacção ao lado mais politizado do cinema americano nos últimos tempos, e acho que, no geral, a Academia decidiu bem. Creio também que, tanto quanto uma estratégia de marketing bem sucedida, a vitória de "Crash" foi uma forma de a Academia combater a previsibilidade que 1001 cerimónias que antecedem os Óscares acabaram por dar a este prémio.

Volta sempre,
Miguel Domingues

4:26 da manhã, março 11, 2006  

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