sexta-feira, janeiro 06, 2006

Horas Na Cinemateca - I

15h30m/ 4 de Janeiro de 2006/ The Grapes Of Wrath (1940) de John Ford

Sempre acreditei que John Ford, partilhando de algumas das ideias mais nocivas da América contemporanêa, as ultrapassava, através, sobretudo, do humanismo que lhes atribui. Por outras palavras, por detrás da comunidade rígida, do expansionismo, do conservadorismo, está o indivíduo, e a forma que este tem de se posicionar no mundo, de o tornar num lugar onde possa existir em paz. As ideias supracitadas não são, então, categorias vazias cuja utilidade reside no controle e no subsequente poder, mas uma ética que visa a harmonia.
A visão de The Grapes of Wrath mais não fez do que reforçar esta ideia. A adaptação do romance-charneira de Steinbeck elimina determinantemente quaisquer conotações politizantes, que aqui seriam forçosamente socialistas; é como se Ford fizesse suas as palavras de Tom Joad quando este interroga "what reds?". A terra surge aqui retratada não como meio de produção, muito menos como palco da luta de classes, mas como local de pertença, lugar que reflecte o ser. Em contrapartida, a representação dada aos "empresários" reforça a ideia de monopólio
que os despejos evidenciam, e, logo, está contra quaisquer canônes económicos de "direita", ao colocálos como vilões.

O que Ford filma é, assim, a revolta de um homem pequeno, que, ao voltar do cárcere, descobre que a família e os vizinhos foram expulsos dos seus lares pelos descendentes daqueles que lhos arrendaram havia várias gerações. A revolta, para um homem prático como Ford, é algo de inestético; o filme, tendo momentos de avassaladora beleza, jamais possui, no entanto, no tratamento da paisagem, o lirismo visual associado ao norte-americano. É como se a terra aparecesse no seu aspecto mais distante (paradoxo), indomável e díficil, austera e inalcançável para o homem esfarrapado que vagueia nas estradas e a ela pertence. O rosto humano passa a ser a maior paisagem desta história, onde cada ruga, cada inflexão e cada expressão são quadros evocativos do custo, da dor e da revolta na luta pela dignidade humana.

Um Ford atípico mas não menos seminal. E um que mostra, parafraseando muito livremente, que a moral não é questão de ideologia.

19h/ 4 de Janeiro/ La Ronde de Max Ophuls

E, de sopetão, descobri onde Martin Scorcese foi buscar a sua facilidade nos movimentos de câmara: Max Ophuls. À partida, contudo, pouco mais os liga: o americano é urbano, cinéfilo e telúrico-urbano (isto existe?); o europeu era cosmopolita, literado e crente no ilusionismo representativo. No entanto há, pelo menos em La Ronde - único Ophuls que vi até ao momento -, o mesmo movimento febril, a mesma voracidade, que nos melhores momentos do americano.

Não por acaso, a ronda do título é o movimento circular do carrossel amoroso de diversas personagens, na sua busca por algo que nunca virá - a felicidade. O sexo como porta de entrada para a realização sentimental ganha contornos de niilismo, única solução possível num mundo dominado pela convenção e pela "coquetterie", é pretexto para vários encontros rdundantes demonstrativos dos vicíos de certos escalões sociais, bem como de uma impossibilidade cósmica de alcançar o verdadeiro amor.

Com óptimas interpretações de nomes como Anton Wallbrock, Simone Simon, Simone Signoret, Serge Ferreri e Danielle Darrieux, e com um tratamento da luz e do cenário digno do expressionismo alemão via Sternberg de A Imperatriz Vermelha, destaca-se ainda por uma irrisão patente quer nos diálogos das seduções quer no "deus ex-machina" de Wallbrock: os sentimentos mal expressos de uns e a forma como o segundo trata as elipses do acto sexual encontram na comédia o escape para a incapacidade de fazer e para a impossibilidade de mostrar.

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