sábado, agosto 12, 2006

Ensaio - Era Uma Vez na América - 5. A Marca Autoral




Convém referir que as relações entre espaço, pessoa e memória encontram na estrutura do filme uma eficaz representação, na medida em que esta abre espaço para a intersecção de diversos momentos cronológicos diferentes, frequentemente fragmentados – a única excepção é o episódio da infância do grupo, mostrado linearmente e de uma só vez. Por outras palavras, os três episódios que compõem a obra -1922, infância; 1933, dissolução do grupo; e 1968, futuro?), com a excepção acima referida, interrompem-se ao sabor das associações feitas pela memória de Noodles, num esquema narrativo que lembra, por exemplo, Muriel ou Le Temps du Retour (1966) de Alain Resnais. Daí a extrema importância dos raccords, que normalmente aliam uma eficácia extrema a uma simplicidade extraordinária. O melhor exemplo, entre muitos outros, é o da lâmpada do salão de ópio que se transforma na iluminação da rua onde estão os corpos de Patsy, Dominic e, presumivelmente, Max.

No seu tempo, o filme foi acusado de falta de ritmo. No entanto, nada é mais apropriado a um filme feito, note-se, por um europeu, porquanto tal lentidão, aliada à temática, possibilita uma maior apreensão das motivações e acções das personagens, bem como a apreensão, por parte do espectador, dos códigos que fazem o género. Aliás, os westerns de Sérgio Leone mantêm uma lentidão semelhante, embora menos vincada, no que permite, entre outras coisas, ver a relação de Once Upon a Time in America com a restante filmografia de Sergio Leone. Neste filme, marcam também presença os grandes planos extremos que caracterizam o “estilo Leone”, numa cartografia do rosto humano que não só caracteriza de imediato as personagens, como demonstra a sua função dentro dos códigos da narrativa – atente-se na expressão dos homens que, logo na abertura da obra, têm por missão assassinar a personagem principal. Do mesmo modo, repare-se no uso da profundidade de campo na descrição espacial do cenário, como pode ser visto na sequência em que o jovem Noodles persegue Deborah através de uma rua do Lower East Side preenchida por judeus ortodoxos, ou na estrutura em catedral do salão de ópio. Se a qualidade de Once Upon a Time in America reside primordialmente no conteúdo, tal não se deve à falta de sofisticação estética, mas antes ao carácter superlativo do primeiro. O elemento que agrega ambas as dimensões é a música de Ennio Morricone, que, na nostalgia da flauta de pan, junta o emocional, o sensorial e o cerebral.

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