quarta-feira, agosto 10, 2005

Os Dias são à Noite


A Noite Americana (1973) não envelheceu bem. Aparece, trinta anos depois, como um exemplo de uma Nouvelle Vague que, na década de 70, caminhava para um conformismo formal que a transformou num academismo moderno. Se Godard continua a ser dificilmente catalogável, e se Rivette e Rohmer continuam a saber tornar alguma limitação formal numa plataforma para excelentes argumentos, Truffaut e Chabrol, entre outros, formaram, nalguns filmes, o paradigma de um cinema burguês, com produção séria e segura mas raras vezes inventivo, onde actualmente se enquadram, com melhores ou piores resultados, Chantal Akerman e Agnés Jaoui.
Contudo, se um argumento tem (e tem quase sempre) algo a dizer em relação á qualidade de um filme, A Noite Americana é ganha nesse patamar, precisamente o mesmo onde Uma Bela Rapariga (1972) e O Último Metro (1980) são desperdiçados. Como o próprio título indica, tendo em conta a técnica cinematográfica que lhe dá nome (a capacidade de filmar cenas nocturnas em pleno dia), este é um filme sobre o cinema enquanto artíficio, enquanto capacidade de juntar, através de pormenores, construcções e visões, um mundo. Mundo esse que aliás, nunca é independente da vida: tal como Truffaut, o cineasta por ele interpretado inspira-se em "fait-divers"que lê nos jornais, "rouba" frases aos seus colaboradores e usa filmes amados como fonte de ideias, num esquema narrativo que funciona, a um tempo, como prova de interacção entre vivência e arte e explicitação de um método. A aumentar esa auto-reflexividade, veja-se o plano de um gato a beber leite de um pires em A Sereia do Mississipi (1969) e uma cena similiar em
"Je vous présente Pamela", filme dentro do filme...
Por outro lado, o filme enquanto retrato das relações entre uma equipa de filmagens é uma belíssima comédia, onde eclodem paixões e conflitos que depois se desvanecem, automaticamente, com o término da rodagem. Destaque para Jean-Pierre Léaud no papel de Álphonse, actor com uma dose pouco recomendável de "teenage angst".
Na generalidade, é um belo filme, fruível sobretudo no quadro de prazer cinéfilo e gosto por Truffaut, mesmo que esteja muito datado (ouvir a música de Georges Delerue) e não tenha a típica pulsão passional de Truffaut (conferir Jules et Jim e La Femme d'à Coté).

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