segunda-feira, abril 17, 2006

Viver e Morrer no Velho Oeste


Imperdoável representou, através da consagração na edição dos Óscares de 1993, a passagem definitiva de Clint Eatwood de um ícone da série B para um nome cimeiro na produção cinematográfica norte-americana. Essa passagem deu-se, no entanto, não através de um filme em que valores tradicionais do western, género americano por excelência, fossem defendidos, mas numa desmistificação de todas as suas componentes heróicas e comunitárias. Will Munny (subtilíssimo Clint Eatwood), ex-assassino profissional salvo pelo amor de uma mulher da criminalidade e do alcoolismo, regressa para um último “trabalho”, matar dois vaqueiros que esfaquearam uma prostituta. Acompanhado pelo seu amigo Ned (Morgan Freeman com a classe habitual) e por um jovem pistoleiro com graves problemas de visão, esbarra nas dificuldades que lhe são causadas por Little Bill (fantástico Gene Hackman, poderoso e demencial), xerife da cidade de Big Whiskey, onde decorre parte importante da acção, e no intransponível sentimento de culpa em relação ao seu passado.

Visualmente, Clint Eastwood faz jus à sua denominação de o último dos clássicos. Todo o filme é de uma solidez natural, onde os recursos utilizados o são mediante as necessidades da progressão narrativa – o exemplo maior é a fragmentação imagética na sequência inicial da mutilação da prostituta, exemplo da confusão e da sujidade adjacentes a qualquer acto de violência. E aqui reside o cerne da desmistificação acima referida: a violência não é, aqui, um acto necessário ao controlo do território ou à implantação do “american way of life”. Pelo contrário, é sempre um acto feio, com consequências inegáveis e inultrapassáveis, grande parte das quais no próprio perpetrador. Imperdoável, como o próprio título indica, é uma jornada de culpa, uma viagem de fantasmas que perseguem as personagens até as derrotar. Reside aqui a sua novidade, improvável no contexto do género: a apelidação “crepuscular” prende-se não com o fim hollywoodiano do western e com o fim de valores típicos (honra, masculinidade, iniciativa), mas com a negação da existência real desses mesmos valores. É como se, tantos anos depois, um participante activo nalguma dessa mitologia viesse apontar para todo o mundo que o maniqueísmo deixou por mostrar, para todas as consequências nefastas de um modo de agir. Não por acaso, o xerife, tantas vezes apontado como o garante da estabilidade da comunidade, é um louco egomaníaco que não hesita em recorre à violência mais extrema para preservar a sua coutada. Desapareceram os bons, e, com esse desaparecimento, foi-se a magia da americanidade. Ficou apenas a magia da humanidade, e o clássico transforma-se, por duas horas, num pós-moderno.

Um western com quase quinze anos que mantém todo o seu sabor a novidade. Como Million Dollar Baby (2005), é um filme de um velho que quer dizer algo sobre o mundo antes de partir. Grande filme.

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2 Comentários:

Blogger Hugo disse...

Um grande filme de facto. E é curioso notar que, tal como o mentor de Eastwood (o grande Sergio Leone) desconstrui e construi o Western, também Eastwood o fez aqui, como sublinhaste muito bem.

Para além de um grande filme, há que sublinhar a humildade e a genuinidade de Eastwood: a dedicatória a Sergio Leone é isso mesmo.

Abraço!

10:38 da tarde, abril 20, 2006  
Blogger manu disse...

digo apenas ke me abstenho de falar nesse filme, o ke já não é pouco.

12:37 da manhã, junho 11, 2006  

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