Os Fantasmas Não Choram
Para S.: o meu exemplo de força.
Parece estranho que os mesmos críticos que incensaram A Má Educação (2004) venham agora condenar o belíssimo Volver por ser uma repetição de temas tipicamente almodovarianos. A Má Educação traía a cada instante o facto de ter sido escrito há largos anos, bem como o facto de estar mais próximo de A Lei do Desejo (1987 - e um dos meus preferidos do espanhol) do que de Tudo Sobre A Minha Mãe (1999) e Fala com Ela (2002), e era um filme fora de tempo. É óbvio que Volver repete imenso, mas não se pode negar que é esse o objectivo do filme. O tom de balanço impera.
Regresso a La Mancha, regresso de Cramen Maura, regresso ao melodrama kitsch. Esta história de fantasmas que assombram a vida de Raimunda (o melhor desempenho de Penelope Cruz até à data) é um regresso às mulheres, e por elas passa muito do filme - destaque igualmente para a competência sem esforço de Carmen Maura e para a bonomia "girl next door" de Lola Dueñas (ela de Mar Adentro, Alejandro Amenabar, 2004), séria candidata a próxima "chica de Àlmodovar". Mas é um regresso que, como todos os regressos, fala mais do futuro que do passado. Num país a evoluir, económica e socialmente, muito rapidamente, os atavismos franquistas exorcisados nos anos 80 por Àlmodovar já se esfumaram. A homossexualidade já foi absorvida pela moral do casamento. Volver atinge a sua dimensão metafórica no cena em que Maura e Cruz falam de antanho contra uma parede pintada a graffitti - passado e presente a medirem forças. Por muito que se diga que esse tempo já chegou, só agora o perigo da encruzilhada se aproxima. Pela consciência que parece mostra dessa encruzilhada, e pelo arrebatamento que nunca falha em produzir no espectador
, este é um grande, grande filme.
No cinema de Pedro Àlmodovar, os fantasmas não choram... pelo menos, por enquanto.
Etiquetas: Impressões
7 Comentários:
Só conheço a obra do Almodóvar a partir de "A Flor do meu Segredo" e este é, provavelmente, o seu filme de que menos gosto. Sem deixar de ser um bom filme.
Porque gosto menos? Não pela repetição de que falam alguns (ele que repita a mestria de muitos filmes, eu aprecio), mas por um aspecto sobre o qual até queria feedback: parece-me que falta aqui uma economia narrativa como, por exemplo, havia em "Tudo Sobre a Minha Mãe". Pareceu-me um filme longo, com algumas sequências dispensáveis, e em que parece que as personagens andam um pouco perdidas (se o restaurante serve para enfatizar a "dona de casa" parece-me redundante), impedindo-me de me sentir conquistado totalmente, como o sou a espaços.
Mas um belo filme, como disse.
Caro Daniel:
1) é importante referir que só não dou o cinco por pudor. É uma nota que, salvo raras excepções, merece algum discernimento e, frequentemente, repetidas visões.
2) Creio que as sequências no restaurante são importantíssimas:
a)são o que possibilita que Raimunda se desfaça do corpo;
b)são o que mostra que Raimunda pode ser salva - ver a paixoneta do membro da equipa técnica por ela.
c)são o que mostra que Raimunda quer exorcizar os seus fantasmas - é onde é cantada, de uma forma que quase me trouxe lágrimas aos olhos, a belíssima canção que dá título ao filme.
Uma sequência assim não pode ser desnecessária.
A tua questão é desafiante, e agradeço-te por isso. Sobretudo porque, não sei bem porquê, me lembrou do muito que não referi no texto. Por exemplo: que dizer daquele genérico brilhante, onde o travelling vai ao encontro dos créditos?
Obrigado, rapaz.
Miguel Domingues
Também não percebo o reduzido entusiasmo com que o filme tem sido referido, não me parece nada inferior aos últimos do realizador. Também não me importo com a falta de novidade, a realização, argumento e direcção de actores são tão fortes que dispensam isso.
Mig_domingues,
Tudo bem? Escrevo aqui do Brasil. É curioso: o filme do Almodovar ainda não estreou por aqui, mas pelo que leio nos blogues portugueses, trata-se de uma unanimidade. Aproveito para convida-lo a conhecer o blog que criei recentemente, chama-se Kinos. Bom, sinta-se à vontade para visitá-lo.
http://www.cinekinos.blogspot.com
Um filme fascinante, apesar da sua menoridade na obra de Almodóvar (talvez eu esteja viciado nos ambientes loucos de Átame ou La ley del deseo, por exemplo).
Mas - caramba! - gostei. Oh se gostei
Júlio: obrigado pelo alerta. Irei inestigar.Curioso é ter recebido esse alerta quando soube que o melhor cineasta brasileiro da actualidade está a daptar um livro do Nobel português da Literatura. Pontes destas são sempre bem-vindas.
Hugo: Achas mesmo que se fosse assim tão menor, gostavas tanto dele?
Voltem sempre, rapazes.
Miguel Domingues
Pois, é uma menoridade fascinante. :-)
Confuso? Eu também. Só digo menor - e o adjectivo é certamente mal utilizado - porque prefiro aquele Almodóvar irreverente que primava por chocar o Mundo. Só isso :-)
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