domingo, setembro 10, 2006

Os Fantasmas Não Choram



Para S.: o meu exemplo de força.
Parece estranho que os mesmos críticos que incensaram A Má Educação (2004) venham agora condenar o belíssimo Volver por ser uma repetição de temas tipicamente almodovarianos. A Má Educação traía a cada instante o facto de ter sido escrito há largos anos, bem como o facto de estar mais próximo de A Lei do Desejo (1987 - e um dos meus preferidos do espanhol) do que de Tudo Sobre A Minha Mãe (1999) e Fala com Ela (2002), e era um filme fora de tempo. É óbvio que Volver repete imenso, mas não se pode negar que é esse o objectivo do filme. O tom de balanço impera.

Regresso a La Mancha, regresso de Cramen Maura, regresso ao melodrama kitsch. Esta história de fantasmas que assombram a vida de Raimunda (o melhor desempenho de Penelope Cruz até à data) é um regresso às mulheres, e por elas passa muito do filme - destaque igualmente para a competência sem esforço de Carmen Maura e para a bonomia "girl next door" de Lola Dueñas (ela de Mar Adentro, Alejandro Amenabar, 2004), séria candidata a próxima "chica de Àlmodovar". Mas é um regresso que, como todos os regressos, fala mais do futuro que do passado. Num país a evoluir, económica e socialmente, muito rapidamente, os atavismos franquistas exorcisados nos anos 80 por Àlmodovar já se esfumaram. A homossexualidade já foi absorvida pela moral do casamento. Volver atinge a sua dimensão metafórica no cena em que Maura e Cruz falam de antanho contra uma parede pintada a graffitti - passado e presente a medirem forças. Por muito que se diga que esse tempo já chegou, só agora o perigo da encruzilhada se aproxima. Pela consciência que parece mostra dessa encruzilhada, e pelo arrebatamento que nunca falha em produzir no espectador
, este é um grande, grande filme.
No cinema de Pedro Àlmodovar, os fantasmas não choram... pelo menos, por enquanto.

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7 Comentários:

Blogger Daniel Pereira disse...

Só conheço a obra do Almodóvar a partir de "A Flor do meu Segredo" e este é, provavelmente, o seu filme de que menos gosto. Sem deixar de ser um bom filme.

Porque gosto menos? Não pela repetição de que falam alguns (ele que repita a mestria de muitos filmes, eu aprecio), mas por um aspecto sobre o qual até queria feedback: parece-me que falta aqui uma economia narrativa como, por exemplo, havia em "Tudo Sobre a Minha Mãe". Pareceu-me um filme longo, com algumas sequências dispensáveis, e em que parece que as personagens andam um pouco perdidas (se o restaurante serve para enfatizar a "dona de casa" parece-me redundante), impedindo-me de me sentir conquistado totalmente, como o sou a espaços.

Mas um belo filme, como disse.

12:59 da manhã, setembro 11, 2006  
Blogger Miguel Domingues disse...

Caro Daniel:

1) é importante referir que só não dou o cinco por pudor. É uma nota que, salvo raras excepções, merece algum discernimento e, frequentemente, repetidas visões.

2) Creio que as sequências no restaurante são importantíssimas:

a)são o que possibilita que Raimunda se desfaça do corpo;

b)são o que mostra que Raimunda pode ser salva - ver a paixoneta do membro da equipa técnica por ela.

c)são o que mostra que Raimunda quer exorcizar os seus fantasmas - é onde é cantada, de uma forma que quase me trouxe lágrimas aos olhos, a belíssima canção que dá título ao filme.

Uma sequência assim não pode ser desnecessária.

A tua questão é desafiante, e agradeço-te por isso. Sobretudo porque, não sei bem porquê, me lembrou do muito que não referi no texto. Por exemplo: que dizer daquele genérico brilhante, onde o travelling vai ao encontro dos créditos?

Obrigado, rapaz.
Miguel Domingues

2:43 da manhã, setembro 11, 2006  
Blogger gonn1000 disse...

Também não percebo o reduzido entusiasmo com que o filme tem sido referido, não me parece nada inferior aos últimos do realizador. Também não me importo com a falta de novidade, a realização, argumento e direcção de actores são tão fortes que dispensam isso.

2:06 da tarde, setembro 11, 2006  
Blogger Julio Bezerra disse...

Mig_domingues,
Tudo bem? Escrevo aqui do Brasil. É curioso: o filme do Almodovar ainda não estreou por aqui, mas pelo que leio nos blogues portugueses, trata-se de uma unanimidade. Aproveito para convida-lo a conhecer o blog que criei recentemente, chama-se Kinos. Bom, sinta-se à vontade para visitá-lo.
http://www.cinekinos.blogspot.com

4:51 da manhã, setembro 13, 2006  
Blogger Hugo disse...

Um filme fascinante, apesar da sua menoridade na obra de Almodóvar (talvez eu esteja viciado nos ambientes loucos de Átame ou La ley del deseo, por exemplo).

Mas - caramba! - gostei. Oh se gostei

5:50 da tarde, setembro 13, 2006  
Blogger Miguel Domingues disse...

Júlio: obrigado pelo alerta. Irei inestigar.Curioso é ter recebido esse alerta quando soube que o melhor cineasta brasileiro da actualidade está a daptar um livro do Nobel português da Literatura. Pontes destas são sempre bem-vindas.

Hugo: Achas mesmo que se fosse assim tão menor, gostavas tanto dele?

Voltem sempre, rapazes.
Miguel Domingues

1:48 da manhã, setembro 14, 2006  
Blogger Hugo disse...

Pois, é uma menoridade fascinante. :-)

Confuso? Eu também. Só digo menor - e o adjectivo é certamente mal utilizado - porque prefiro aquele Almodóvar irreverente que primava por chocar o Mundo. Só isso :-)

11:35 da manhã, setembro 14, 2006  

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