Clássicos Esquecidos - II
Ao pensar em O Bruto, realizado em 1952 por Luís Buñuel, é inevitável referir a forma como as expectativas são goradas. Tudo no início, onde é descrito o conflito de classes que opõe D. Andrés aos seus inquilinos pobres, leva a crer que se seguirá o trilho do realismo social. O melodrama, como os sentimentos das personagens, tem pouco de realista e o social está no olho de quem vê. Buñuel concentra-o no início e no fim da obra (onde alguns viram, contra a vontade do autor, o despertar de uma consciência social), e opta por dançar uma lenta e detalhada valsa da impotência.
Quero com isto dizer que o filme gira em torno de uma teia de relações complexa, que o tira do ambito do previsível. Essa teia de relações atinge o seu máximo na relação entre D. Andrés e Pedro, o Bruto do título: a relação que se estabelece entre ambos é uma simbiose oportunista, em que um colmata as falhas do outro, e completam a dicotomia corpo/mente. Ambos avançam, no fundo, em direcção a uma distância total e irreconciliável, mas não deixam de ser faces de uma mesma moeda, feia, porca e má. Seres incompletos e, como tal, impotentes, reagem como podem à falta de controle da sua vida. Separam-se, apenas e só, porque os seus interesses divergem a dada altura, e porque Pedro descobre o amor. É uma boa metáfora do que pode ser uma relação paternal (D. Andrés criou e ajudou sempre Pedro, e a hipótese de uma paternidade secreta é aflorada), onde os defeitos se mantém, com algumas transformações, de pai para filho.
Como é tradicional no cineasta espanhol, há toda uma sexualização do imaginário, que reforça essa impotência porquanto a sexualidade é o terreno da escolha. Paloma priva-os dessa escolha, negando-se a Andrés e acossando Pedro, e revelando a incapacidade destes. Mas este é também o território das estupendas imagens de Buñuel, extremamente sensoriais. Desde os quatro lírios cortados até à dentada de Paloma no peito de Pedro, o que O Bruto mostra é um cineasta em pleno domínio das metáforas visuais, mesmo num filme de que não gostava.
Cinquenta e três anos passados, urge redescobrir O Bruto, exemplo do que pode valer o melodrama quando não é falado em português do Brasil.
Etiquetas: Clássicos Esquecidos
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