quarta-feira, agosto 24, 2005

Interferências Musicais - I


O disco dos Stone Roses - escrevo o disco porque o segundo, a meu ver, não é mais do que uma triste e vazia rodela prateada - foi uma revelação tardia para mim. Apareceu-me á frente por via de um colega de jornalismo académico, que o tirou da mala sem dizer "àgua vai!", desrespeitando, com a banalidade de que o acto se revestia para si, a curiosidade febril que tinha sentido durante anos. O empréstimo ajudou a iniciar a relação, que mantém o charme inicial e a sensação de frescura.

Li, há algum tempo, que Stone Roses (1989) era o ódio de estimação de Lloyd Cole, que os considerava meros ladrões de automóveis, incapazes de fazerem um bom tema, quanto mais um disco inteiro. Curioso é reparar que Lloyd Cole tem apenas um disco verdadeiramente bom, Rattlesnakes, editado cinco anos antes da obra supracitada... Ironia à parte, Cole não terá percebido que reside aí o encanto do registo, num manto diáfano de beleza a cobrir um quotidiano rude, como se Pasolini tivesse feito o seu Accatone em Manchester, com banda-sonora dos Beatles, dos Kinks e dos XTC, e com um protagonista a meio caminho entre Mick Jagger e Michael Caine. Sobretudo, do ponto de vista britânico, o àlbum tem o mérito de modernizar o caldeirão de referências referido, através dos ritmos dançáveis á época em voga, reiterando-as como essenciais a um estrato da população (a classe operária) e criando o paradigma do que viria a ser a britpop.
Começa com uma tripla infernal, I Wanna Be Adored, She Bangs The Drums e Waterfall, que, ao serem adornados, respectivamente, com estilhaços industriais, com pop à Smiths e com cascatas de guitarra, mostram quão largo pode ser o espectro pop. De realçar igualmente Made of Stone e Shoot You Down, a primeira bem ritmada e eficaz na sua previsibilidade estrutural (gostar de um género é gostar das suas convenções), a segunda viciantemente "funky", são demonstradoras de uma vivência á beira do abismo, e o disco vai, sintomáticamente, encerrar com a fanfarronice de I Am the Ressurection. A primeira como a última canção, mais do que atestar a inevitabilidade de um sucesso que nunca existiu, coloca-os no papel de Vitor Batista da pop britânica. Este auto-destructivo jogador do Benfica, talentoso como poucos, qualificou-se, numa frase que todo o benfiquista conhece, como "o melhor". Não o foi - diz quem viu -, mas poderia ter sido. Eles também.

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1 Comentários:

Blogger Daniel Pereira disse...

Grande álbum, sim senhor. Essa vontade de quererem ser os melhores foi, talvez, a sua própria armadilha. Mas hoje sabemos, nós, que andam a par com os melhores.

12:13 da tarde, agosto 25, 2005  

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