Notas Para a Definição do IndieLisboa 2005 pt. 3
Invasão Sul-Americana
A América do Sul foi a localização geográfica privilegiada deste certame. Na secção Herói Independente, dedicada ao novo cinema argentino - a par com as obras do cineasta chinês Jia Zhang-Ke, as hostilidades abriram com Mundo Grua, obra de estreia de Pablo Trapero (Herói Independente, 22 de Abril, King 3, 15h30m, sessão composta). Filme seminal na "nova vaga" deste país, é um filme crú, de camera ao ombro, feio, porco e bom, que segue a vida de uma ex-rock star forçada a a trabalhar na construcção civil devido à crise económica que grassa no país. Fortemente assentimental e com um humor muito desesperado (Médico: Fuma? Paciente: Um pouco. Médico: Quantos cigarros por dia? Paciente: Trinta.) foi uma lufada de ar fresco numa cinematografia à época estagnada.
Dias de Santiago (Competição, King 1,24 de Abril, King 3, sessão cheia), também uma estreia, a de Josué Mendes, é como que uma mistura peruana entre Taxi Driver e Os Imortais. A personagem-título é um antigo soldado nas guerras do seu país contra o Equador e contra os barões da droga, obrigado a regressar a uma vida incerta, triste, misógina, cheia de irrupções regulares de violência. Não sendo exactamente original, é interessante porque mais gráfico do que a maioria na demonstração da paranóia ubíqua da sua personagem, misturando para isso imagens limpas e tradicionais com video digital granuloso e filtro de imagem azul-carregado, dependendo da violência do momento. E assim se colmata alguma previsibilidade.
Não há duas sem três: a terceira estreia proveniente deste continente foi Parapalos ( Competição, 29 de Abril, King 1, esgotado), de Ana Poliak, uma história prazenteira de um grupo de personagens que faz o turno da noite de um salão de bowling em Buenos Aires. O filme é uma viagem a um quotidiano desesperançado, em que o facto de se trabalhar num sítio tão esquecido que nem sequer tem reposição automática de pinos - o título é o castelhano para "pin boy" - faz da memória nuns casos e da vegetação noutros a prática corrente. Misto de malaise civilizacional, escape da crise e mágoa constante, é ganho pela levitação e pelo tratamento poético evanescente da tristeza. Esperemos que Ana Poliak volte brevemente.
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