sexta-feira, setembro 22, 2006

O Cinema a quem o trabalha


Hoje, cheguei do trabalho à uma hora da manhã. Entre o jantar e a minha habitual pesquisa na net, deparei-me, no meu mail pessoal (migueldomingues111@hotmail.com, se alguém estiver interessado), com este excelso pedaço de poesia:

Lisboa, 21 de Setembro de 2006

COMUNICADO


Em Janeiro de 2005, os Cinemas Millenium SA associados à Medeia Filmes SA , fizeram o lançamento do cartão King Kard, que, como é do vosso conhecimento é utilizável em condições idênticas nas salas de cinema exploradas por ambas as empresas.

Este cartão tem tido enorme sucesso, especialmente nas salas afectas aos Cinemas Millenium situadas no “Alvaláxia”.

Por decisão unilateral da Medeia Filmes SA, que nós repudiamos veementemente, fomos surpreendidos com o facto de não mais aceitarem, a partir do próximo dia 1 de Outubro o cartão King Kard nas suas salas.

Na expectativa da vossa compreensão, reiteramos o nosso esforço em continuar a oferecer aos nossos clientes uma programação diversificada e tão completa quanto possível nas nossas 16 salas.


A Administração



Os impropérios afogaram-me a mente, emissários da revolta. Como signatário do cartão, sinto a medida como uma afronta pessoal, passível de influenciar a minha vida cultural de forma irremediável. E só não deixo de ir às salas da Medeia pelos filmes que esta frequentemente apresenta em exclusivo. Em boa verdade, sempre achei a iniciativa demasiado boa para ser verdade. Mas pensemos no assunto com mais clareza.


1) Lembro-me, à altura do lançamento, de ter lido um responsável pela ideia dizer que, se todos os signatários vissem dez filmes por mês, a empresa teria prejuízo, mas logo a desmistificar a hipótese. Pois bem, eu acredito que muitos de nós viram dez filmes por mês. E acredito que se não o tivéssemos feito, a empresa teria tido poucos motivos para exibir alguns filmes e, por conseguinte, de vender a ignominiosa publicidade que passa antes dos mesmos. Nesse aspecto, a empresa só lucrou.


2) Iniciativas como o King Card só melhoraram a imagem da empresa como defensora da cultura em Portugal. São, inclusivamente, uma fonte de perdão para uma empresa que insiste em programar Larry Clark ou Wang Xiaoushuai ao invés de Hou Hsiao Hsien, e que, apesar de se gabar das imensas ligações no estrangeiro, raras vezes repõe as cópias de filmes venerandos que nesses países estão nas salas - França à cabeça.


3) Paulo Branco gosta de ir para a RTP armar-se em defensor da cultura nacional - a cinco euros e vinte a dose, claro está. Expliquem-me o grande serviço desta medida, se faz favor.

Ah, e, por favor, não me venham com a treta neo-liberal que o cinema até é barato em Portugal. Paguem-me o mesmo que se ganha na França, na Alemanga e na Inglaterra e eu deixo de me preocupar com o estado em que esta medida me deixou.


Estou fodido! E depois admirem-se de, contra muitos, os bilhetes a dois euros e meio da Cinemateca continuarem a vender-se muito bem.

* realmente, quem tira uma foto assim, estilo "Nick Cave da Amadora", não pode ser boa rés...

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quinta-feira, setembro 14, 2006

A Luta Continua?

O entendimento do cinema enquanto arte, reservando por isso um lugar de privilégio à majestade de um autor, será um mérito (ou de um equívoco) de um cultura fortemente impregnada de marcas literárias: a europeia. (...) Mesmo pensando em casos extremos como, cada um a seu modo, Spielberg ou Altman, o realizador americano não corresponde à imagem idealizada do artista: pura consciência solitária cujo estalar dos dedos imita a Génesis ou então, de demiurgo a demo, má consciência de um mundo impotente, prosaico ou sem glória. (...) Tudo se passa [no cinema americano] como se a previsão descritiva tivesse eliminado o próprio autor. O seu nome aparece apenas no fim do genérico. Há um rumor sobre o seu talento no fim do filme. Um nome no fim do genérico, pessoa inteira no fim do filme, são os autores americanos de admirável, quase cristalina economia, como se trabalhassem para a limpidez.
M. S. Fonseca in Cinema Americano dos Anos 60 e 70, Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 1994

E hoje? Esta luta continua?

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segunda-feira, setembro 11, 2006

Outra grande frase final escrita por Àlmodovar


É disso que eu preciso: de um pouco de orientação.
em Kika (1993), citada de memória e, como tal, possivelmente parafraseada.

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domingo, setembro 10, 2006

Os Fantasmas Não Choram



Para S.: o meu exemplo de força.
Parece estranho que os mesmos críticos que incensaram A Má Educação (2004) venham agora condenar o belíssimo Volver por ser uma repetição de temas tipicamente almodovarianos. A Má Educação traía a cada instante o facto de ter sido escrito há largos anos, bem como o facto de estar mais próximo de A Lei do Desejo (1987 - e um dos meus preferidos do espanhol) do que de Tudo Sobre A Minha Mãe (1999) e Fala com Ela (2002), e era um filme fora de tempo. É óbvio que Volver repete imenso, mas não se pode negar que é esse o objectivo do filme. O tom de balanço impera.

Regresso a La Mancha, regresso de Cramen Maura, regresso ao melodrama kitsch. Esta história de fantasmas que assombram a vida de Raimunda (o melhor desempenho de Penelope Cruz até à data) é um regresso às mulheres, e por elas passa muito do filme - destaque igualmente para a competência sem esforço de Carmen Maura e para a bonomia "girl next door" de Lola Dueñas (ela de Mar Adentro, Alejandro Amenabar, 2004), séria candidata a próxima "chica de Àlmodovar". Mas é um regresso que, como todos os regressos, fala mais do futuro que do passado. Num país a evoluir, económica e socialmente, muito rapidamente, os atavismos franquistas exorcisados nos anos 80 por Àlmodovar já se esfumaram. A homossexualidade já foi absorvida pela moral do casamento. Volver atinge a sua dimensão metafórica no cena em que Maura e Cruz falam de antanho contra uma parede pintada a graffitti - passado e presente a medirem forças. Por muito que se diga que esse tempo já chegou, só agora o perigo da encruzilhada se aproxima. Pela consciência que parece mostra dessa encruzilhada, e pelo arrebatamento que nunca falha em produzir no espectador
, este é um grande, grande filme.
No cinema de Pedro Àlmodovar, os fantasmas não choram... pelo menos, por enquanto.

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Inquietação das três da manhã - III


A propósito de Volver (Pedro Àlmodovar, 2006): Anna Magnani era feia todos os dias.

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Horas na Cinemateca - III



Imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial, a batalha continuou. Numa Europa onde a maioria depauperada convivia com a minoria abastada, as classes mais baixas sonhavam com a prosperidade prometida pela vitória da Democracia. Em Antoine et Antoinette, que Jacques Becker realizou logo em 1946, a batalha da sobrevivência apaga por completo qualquer lembrança da Guerra. Obra fluída como poucas, lida com a sorte, e com a hipótese de fuga à pobreza instalada.

O que Becker mostra com este filme é a sua excepcional capacidade de filmar histórias, apoiado num milimétrico e burilado argumento. Mas é, bem mais do que Casque d'Or, o filme que demonstra a sua extrema filiação no cinema de Jean Renoir, de quem, aliás, foi colaborador em diversos filmes. Há um lado humanista, no sentido, de quem conhece todas as gradações da Pessoa, desde a mais modesta qualidade ao mais irreparável defeito (brilhante o merceeiro que, como todos os ricos, acha a vida dos pobres muito engraçada).

Becker era um optimista, sempre pronto a pensar que os bons iriam ser compensados e os maus punidos. Assim acontece como o casal que nomeia o filme, premiado com uma cautela vencedora. Mas é precisamente nos momentos em que Antoine lida com o facto de ter perdido a cautela que este belo filme revela a sua essência: do que se trata aqui é de gente simples a tentar manter a cabeça fora de àgua.


E isso é (quase) sempre muito belo, especialmente quando não descamba no "elogio da pobreza".

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sexta-feira, setembro 08, 2006

Inquietação das Três da Manhã - II

O que é que liga O Conde de Montecristo (livro escrito por Alexandre Dumas em 1846-46), Un condamné a la mort s'est échappé (Robert Bresson,1956), Le Trou (Jacques Becker, 1960) e Le Caporal Épinglé (Jean Renoir, 1962)? Naturalmente, duas coisas: são obras francesas, e são obras sobre fugas de prisões.

O que me leva a perguntar: porquê esta obsessão com tão soturna temática?

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domingo, setembro 03, 2006

Meio Mundo

Indispensável texto de João Lopes. Até quando se vão permitir estas utilizações insultuosas do nosso dinheiro?

Posso pagar metade dos meus impostos este mês?

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sábado, setembro 02, 2006

Horas na Cinemateca - II


As divas produzem-se ou existem por si mesmas?

Note-se: quando se faz esta pergunta, não se entende por produção o tradicional melhoramente estético que os membros do sexo feminino dominam; entende-se, antes, um programa concertado para exponenciar os atributos físicos de uma qualquer actriz. Resumindo, a questão é: predomina a aura ou o veículo?

Tudo isto a propósito de Casque d’Or, obra de 1952 de Jacques Becker, que a 1 de Setembro de 2006 inaugurou o ciclo comemorativo do centenário do nascimento do cineasta francês.
Ambientado nos finais do século XIX, é a história de amor entre George Manda (óptimo Serge Reggiani) e Marie (divina Simone Signoret), terminada pela inveja e cobiça de Felix Leça, o líder de uma quadrilha local de criminosos.
É um filme que tem imensas qualidades: um uso genial da luz, excelentes interpretações (Reggiani à cabeça), e uma fluência e uma estética que devem muito à do grande Jean Renoir.

Mas tudo isso acaba, numa primeira visão, por ser secundário face à forma – literalmente – luminosa como Becker filma Simone Signoret, fazendo dela o centro do filme, numa relação entre um realizador e uma actriz que só encontra paralelo nos filme de Sternberg com Dietrich ou nos de Bergman com Ullman. Aqui, Signoret é um monumento, uma relação do homem com o Sagrado á maneira de Platão. Não há, pelo menos durante hora e meia, diva como ela. Mas, lá está: de quem é o mérito?

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