quarta-feira, novembro 30, 2005

O Autor: Nascimento da Política dos Autores, Práticas Críticas e Influências Geracionais pt.2

2. A Formação
Referir alguns dos nomes que elaboraram esta teoria é nomear alguns dos nomes fundamentais do cinema francês nos últimos quarenta anos.
O mais importante nome, a nível de produção teórica, é François Truffaut. Nascido em Paris em 1932, teve uma infância problemática, que o fez deixar a escola aos 14 anos. Construiu a sua cinéfilia ao ver mais de dois mil filmes na sua adolescência, a maior parte entrando nos cinemas sem pagar, através das casas de banho ou das saídas de emergência, e frequentando ciné-clubes. Encontrou o pai que sempre procurou em André Bazin (co-fundador e editor durante vários anos), que o levou a escrever para a Cahiers du Cinéma em 1953. Em 1959, iniciou uma bem-sucedida carreira como cineasta, com Os 400 Golpes, e atingiu o seu zénite criativo com Jules e Jim (1963). Violento e inovador no seu estilo de crítica, Truffaut foi acusado de não arriscar quando se tornou produtor dos seus filmes, e obras como As Duas Inglesas e o Continente e O Último Metro (1971 e 1980, respectivamente) são consideradas algo académicos. Faleceu em Outubro de 1984, com 52 anos, vítima de um tumor cerebral.
Primeiro aliado, depois inimigo de Truffaut, Jean-Luc Godard foi tão influente como aquele enquanto crítico, mais o seu foco era não tanto críticas e artigos sobre o panorama francês, mas antes longos e aprofundados textos teóricos. Nascido em 1930, Godard foi criado na Suíça e estudou etnologia na Sorbonne, em Paris. Escreveu na Cahiers du Cinéma após se ter formado, e estrou-se no cinema com O Acossado (1960), a que se seguiram obras como Une femme est une femme (1961), Viver a Sua Vida (1963) e Band à Part (1964). A sua carreira caiu nos anos 70 e 80, apenas para regressar nos anos 90 com, por exemplo, JLG por JLG (1994). Com um estilo fragmentado e auto-reflexivo, permanece um dos mais importantes nomes no que toca à reflexão sobre a importância e o estatuto da imagem nos dias que correm.
Eric Rohmer foi sempre o mais velho elemento desta formação e é um dos mais idosos cineastas ainda em actividade, com 85 anos. Sucessor de André Bazin como editor da supra-citada publicação, escreveu um influente mas problemático ensaio, Le Gout de la Beauté, onde alguns vêem reminiscências de racismo na sua definição de beleza cinematográfica. Enquanto cineasta, o seu estilo é enganadoramente simples, e centra-se em pessoas cuja auto-análise entra frequentemente em contradição com o seu comportamento. De elevado teor literário e filosófico, agrupa frequentemente os seus filmes em ciclos, como os Contos das Quatro Estações e Comédias e Provérbios. A sua última obra foi o muito bem sucedido Agente Triplo (2003).
Finalmente, Jacques Rivette nasceu em 1928 e entrou na Cahiers du Cinéma em 1953. Não particularmente relembrado como crítico, realizou o seu primeiro filme, Paris Nous Appartient em 1960, e rapidamente foi destacada a sua experimentação formal, em fitas como La Religieuse(1965) e, mais recentemente, Alto Baixo Frágil (1994). Permanece, pelo menos em Portugal, um cineasta algo ignorado, ainda que os seus dois últimos filmes, Va Savoir (2000) e Histoire de Marie et Julien (2004), tenham estreado em devido tempo.

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sábado, novembro 26, 2005

O Autor: Nascimento da Política dos Autores, Práticas Críticas e Influências Geracionais pt.1

(trabalho em cinco partes devido à sua extensão)

1. O que é um “autor”?
Emergência da geração de críticos franceses dos anos 50 e as ideias por eles defendidas

A noção do cineasta como artista esteve sempre implícita na denominação do cinema como “7ª arte”. Ainda assim, desde o final da década de 40, a indústria norte-americana vinha a discutir quem era mais importante na feitura de um filme: o argumentista-realizador, o realizador, o argumentista ou a totalidade da equipa, num processo análogo à construção de uma catedral e típico de um momento em que a industria é forte. Contudo, apenas na França do pós-guerra a ideia de cineasta se tornou um elemento estruturante chave na critica e na teoria cinematográficas, nomeadamente através da política dos autores.

A política dos autores é uma das mais importantes e influentes ideias na história do cinema. Criada nos anos 50, relacionava-se com o existencialismo, na medida em que insistia em ideias como “liberdade”, “destino” e “autenticidade” aplicadas à produção artística. Afirmava que o cineasta devia ser suficientemente forte e competente para tomar todas as decisões importantes na elaboração e filmagem do filme, devendo igualmente levar a cabo todas as tarefas que conseguisse no processo, delegando as que não conseguisse em pessoas da sua confiança e que agissem de acordo com as suas indicações. Assim, iria impregnar o seu trabalho com a sua personalidade, consequentemente estabelecendo uma linha reconhecível na totalidade da sua filmografia, independentemente das condições físicas, sociais, politicas, económicas ou práticas de produção de cada objecto. Segue-se, então, uma importante distinção entre o realizador e o cineasta, sendo o primeiro alguém que transforma, única e simplesmente, um argumento em imagens, e o segundo alguém que usa o cinema como meio de expressão pessoal.

No limite, esta teoria despoletou um processo semelhante ao que teve lugar na literatura no século XVIII, estabelecendo o autor como dono, comercial e criativamente, do seu trabalho.

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terça-feira, novembro 22, 2005

A Antropomorfização Sentimental

É um sucesso e percebe-se porquê. "A Marcha dos Pinguins" enquadra-se numa longa tradição de maravilhamento visual com a Natureza, que congrega não só a vontade de pertença ao mundo pelos humanos, como explana a sua duplicidade. Este é o tipo de filme que se vê depois de carregar o depósito da viatura com gasolina, para qua a beleza aplaque a má consciência.
Tecnicamente exemplar, relata a epopeia dos pinguins no seu processode acasalamento e procriação que, num dramatismo impensável, inclui diversas formas de morte (fome, frio, fraqueza, as mandíbulas de uma foca) até ao sucesso final. Até aqui nada de novo, e seria um objecto bem recebido nos sábados de manhã narrados por Eládio Clímaco. Contudo, precisamente pra fugir desse ermo, Luc Jacquet optou por algo como uma "antropomorfização

sentimental". Dois narradores lêem um texto escrito com a intenção de narrar sentimentos e pensamentos destas aves, e de assim criar emoção no espectador. E aqui reside o falhanço desta obra: sentido a descrição visual como insuficiente, a melosa narração tenta atribuir significado ao determinismo. Com isso, mais não faz do que limitar a Natureza ao olhar humano, estabelecendo, mesmo que inconscientemente, essa prática como um padrão tipificado de olhar a vida não-humana.
As pessoas vão gostar. Os pinguins sentir-se-ão profundamente usados por encarnarem valores tidos como benéficos pela espécie humana. E catorze meses de vida na Antártida não serviram ao francês para abandonar certos vícios civilizacionais.

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quarta-feira, novembro 09, 2005

Azul Desespero


Drama humano ancorado na repetição, Alice organiza-se como uma daquelas dores de cabeça imensamente perturbantes : tudo o que se faz para combater a dor redunda em nada e esta amplia-se pela sua persistência. Sempre igual mas sempre diferente, sempre pior.

Na estreia de Marco Martins, o mundo é pintado através do pessoal. Mário, inadjectivavel Nuno Lopes, é alguém que cobre o mundo com os tons azúis do desespero. Daí ver Lisboa como o ponto de encontro de milhares de solidões. Mas o mérito maior de Alice reside no reconhecimento que cada um pode fazer desta dor. Não que se deixe de realçar o drama pessoal, independente, único de Mário. Mas essa individualidade é integrada em parâmetros comuns do sofrimento, nomeadamente na forma como este transforma a identidade e o comportamento. Por outras palavras, todos nos podemos ver na forma como Mário não se vê, pelo menos nos momentos iniciais, na sua própria imagem transmitida num mosaico de ecrãs. Ou na forma como o percurso cristalizado no molde do do dia do desaparecimento da filha é agora tão distinto, tão mais frio.
Aqui não se vê nada da Humanidade, vê-se um nada do que é ser humano. É um dos filmes maiores de 2005 - e não interessa se é português.

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