quarta-feira, outubro 12, 2005

Uma Chamada Perdida


A brejeirice natural poderia fazer-nos pensar que que Uma Chamada Perdida estreia em Portugal apenas por dois factores aqui omnipresentes: a violência infantil e os télémoveis. Grosseria à parte, é de saudar a estreia de uma película de Takashi Miike em Portugal, mesmo que para isso se aproveitem eventuais similaridades deste com remakes americanos de fitas de horror nipónicas.


Consequentemente, apenas a espaços o filme encontra a estética de choque colada ao cineasta japonês. A melhor comparação possível para esta história, misto de pesadelo e mito urbano, é um ar condicionado na sua potência máxima fixamente apontado a um ponto nas costas, fazendo assim o frio alastrar ao resto do corpo. Gélido, fluente e iconoclasta (transforma figura prezadas da infância como a família e o ursinho de peluche em figurinos num cenário de morte) perde apenas em ser um tanto banal visualmente, e em não ter momentos de pânico e de horror visual como o final de Audition (1999). Tem, em contrapartida, uma eficácia muito prezável, uma riquíssima encenação do sensacionalismo televisivo e um plano de uma jovem agarrada a um cadáver que, fosse Miike mais pretensioso, poderia ser um condensado de Ringu com Lágrimas e Suspiros. É apenas bom, e numa altura tão má para o terror não-oriental, isso não é nada mau.

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Notas Para a Definição do IndieLisboa 2005 pt. 4



Sortido Rico

A representação asiática no certame foi assegurada por esse monte de clichés chamado Sunday Seoul (Observatório, 28 de Abril, King 1, 18h45m, audiência pela metade), realizado por Oh Myung-hoon. Seis personagens cruzam-se na metrópolis em busca de amor, intimidade e esperança. Ainda que capture muito muito bem os tons da cidade sul-coreana, e mesmo que rodado com segurança e conhecimento técnicos, esta canção já foi muito ouvida, com menos pressa - é difícil fazer um mosaico em 72 minutos - e com gente dentro dos corpos dos actores.

Aaltra foi o melhor e mais injustamente ignorado filme do IndieLisboa 2005. Dois vizinhos odeiam-se e decidem resolver os seus problemas através de uma altercação física. Um trator cai-lhes em cima e torna-os paraplégicos. De quem é a culpa? Do tractor, claro! Embarcam ambos numa viagem de cadeira de rodas (!) da Bélgica (seu país natal) até à Finlândia (!!), onde o veículo foi construído. Pelo caminho, maltratam toda e qualquer pessoa que os tente auxiliar, numa espiral cómica de desespero silencioso e de hedonismo desesperado, que inclui o roubo da cadeira de rodas eléctrica de uma senhora idosa (!!!) e o consumo total da comida caseira de uma bem-intencionada família alemã. No fim, tudo acaba bem, e prova-se o humanismo, a piada e o enorme coração desta comédia desajeitada.

Dirigido e co-protagonizado por Benoît Delépine e Gustave Kerverne, Aaltra perdeu o título de melhor filme do festival para The Forest for the trees ( Competição, 26 de Abril, King 1, sessão esgotada), a pseudo-engraçada e pseudo-vontriesca primeira obra de Maren Ade que, na sua busca por uma demolição da personagem feminina patente em Breaking The Waves (1996) e Dogville (2002), se esquece que as personagens do dinamarquês são o melhor nos seus espaço e tempo, ilhas num mar de vacuidade e maldade, e substitui essa crença por um selvagem, gratuito e lento homicídio da sua personagem principal, prova de um tremendo desrespeito. A tal personagem é apresentada como uma idiota tão grande, que quando (finalmente!) se resolve suicidar, a sua subsequente comunhão com a Natureza demonstra que mesmo esta a quer ver morta! Dúvida: para quê criar uma personagem apenas para ser torturada, sem lhe dar a minima hipótese de redenção? Ah, essa personagem é uma professora de liceu sem amigos, carente e incapaz de granjear respeito, mas isso é só um pretexto.

O resultado final do IndieLisboa 2005? Alguns filmes bons, uma óptima organização, uma selecção decente e um péssimo júri.

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