domingo, abril 30, 2006

Achas para a fogueira em que se transformou a Cinemateca Portuguesa


1
João Bénard da Costa está para a Cinemateca Portuguesa como Abraham Lincoln para o Partido Democrata norte-americano: é o mito fundador, a ideologia vigente. Renegar uma ideologia resulta sempre numa perda de identidade, numa descaracterização que pode resultar, inclusivamente, no definhamento das instituições. Vejam como a direita portuguesa nunca renega, pelo menos abertamente, o salazarismo.
2
A questão que se põe não é tanto o proverbial problema da sucessão à altura. José Manuel Costa ou José de Matos-Cruz seriam nomes apropriados. A questão é saber se esses ou outros nomes competentes estariam dispostos a suceder à “velha raposa”.
3
Num país como o nosso, em que o número de abutres partidários suplanta o número de cargos feitos à medida para os apaziguar, importa saber se os motivos especificamente culturais seriam mais importantes que os motivos políticos. Basta lembrar que, cá no burgo, o cargo de director da Biblioteca Nacional e a posição equivalente na Torre do Tombo são cargos de “confiança política”.
4
Muitos, no momento actual, se apressam a afirmar que o país não pode viver de “happy few”. Curiosamente, são os mesmo que defendem as elites, a competência e a iniciativa privada, características inegáveis e indissociáveis de Bénard da Costa. Com a mesma dose de hipocrisia, nunca põem a hipótese de mudarem apenas as moscas a sobrevoar a coutada, sem qualquer resolução de eventuais problemas que possam existir.
5
Se a Ministra da Cultura, a ultra-competentíssima Isabel Pires de Lima, queria demitir João Bénard da Costa, então deveria ter mantido a decisão até que a pressão se tornasse impossível de suster ou, no mínimo, até que a convencessem do erro que estaria a cometer. Perante tamanha rapidez na mudança de posição, o que sobressai é a mesma cobardia e a mesma atrapalhação evidenciadas no caso da colecção Berardo.
6
Não é a partir estátuas que se constroem memórias. Varrer o Dr. Bénard da Cinemateca devido à sua idade, sem provas evidentes de que esta tornou a sua função impraticável, seria o mesmo que varrer Eusébio da História do desporto português por este ter nascido em Moçambique. É pena que ninguém se tenha lembrado de impor um limite de tempo à frente do cargo; idade pessoal e idade institucional são duas coisas muito diferentes.
7
A questão da direcção da Cinemateca é o destruir da maior unanimidade cultural nacional. Basta comparar a constância qualitativa e comercial do Museu do Cinema com a da que deveria ser a instituição cimeira das artes em Portugal, o Teatro Nacional D. Maria II.

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4 Comentários:

Blogger Hugo disse...

Miguel,

Ficarias surpreendido com o número de pessoas dispostas a ocupar o lugar do Dr. João Bénard da Costa...afinal de contas, a colaboração com a Cinemateca traz sempre a aura de prestígio e há muita gente com sede de protagonismo.

Devo confessar que, da minha parte, a ter de haver substituto optaria por alguém externo à casa, mas com provas dadas, dado que seria um sinal de mudança. Eu escolheria Lauro António (esse grande desaparecido!).

Quanto à tentativa de varridela protagonizada pela Ministra da Cultura, só merece um epíteto: incompetência (e cobardia, como bem salientaste). Querer demitir o Dr. Bénard da Costa é não olhar para o que tem sido feito na Cinemateca (obviamente, há,ainda, muito por fazer), bem como para a qualidade constante da sua programação.

Claro está que a solução de um político digno desse nome seria esta: atribuir a Bénard da Costa o cargo de Presidente Honorário, cabendo-lhe apenas representar a Cinemateca e, obviamente, colaborar na redacção das folhas (ainda hoje as Folhas elaboradas por Bénard da Costa são as melhores...e que melhor indício da sua aptidão para o cargo?), cabendo ao Presidente (Executivo) tomar decisões.

Obviamente, haveria sempre o problema de saber se todos os interessados aceitariam. Mas ficaria sempre uma solução que figuraria como desejável, evitando muito do que esta trapalhada gerou...

Abraço!
Hugo

PS - claro está que há, ainda, que discutir o papel da Cinemateca, a sua renovação e a sua eventual expansão para outras zonas do País. Efectivamente, numa fase em que o Cineclubismo está moribundo, é de crer que caberá à Cinemateca ocupar um lugar cimeiro na divulgação do Cinema. Acho eu!

12:42 da tarde, abril 30, 2006  
Blogger Daniel Pereira disse...

Um texto da autoria de João Miguel Tavares, lido hoje no Diário de Notícias, deixou-me, mais uma vez, a pensar sobre o assunto. Lido o texto estava do lado de Tavares, os lugares não são eternos e é saudável a renovação. Mas depois cheguei ao impasse a que tenho chegado sempre: e quem é que o pode substituir?

2:33 da tarde, maio 05, 2006  
Anonymous Anónimo disse...

Eu não creio que ele deva sair. E não concordo com a maioria das críticas que são feitas e que tenho lido em jornais. Mas quem sou eu para opinar? (Bem, mas também, quem seriam os cinéfilos que em 68 se manifestaram contra o afastamento de Henri Langlois?)

Mais do que um saber imenso, creio que o Dr. Bénard da Costa tem algo que sinceramente não vejo em mais ninguém com a "pureza" que vejo nele: um amor total ao Cinema, algo que se vê nas sinopses que ele escreve nas folhas distribuídas.
Como o Hugo Alvez diz, são claramente as melhores e demonstram não um conhecimento pretensioso das obras e autores mas acima de tudo um olhar único de plena admiração e amor.
E isso é simplesmente inspirador.

7:47 da tarde, maio 05, 2006  
Blogger manu disse...

adoro o Bénard da Costa mas a renovação é um lema de vida.

12:34 da manhã, junho 11, 2006  

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