quinta-feira, julho 20, 2006

Ângulos Opostos

Nas salas nacionais estão, em simultâneo, dois filmes de animação. Over the Hedge, de Tim Johnson e Karey Kirkpatrick, último filme da Dreamworks, representa uma tentativa algo “clássica” de fazer animação, assente na antropomorfização dos animais bem como num carácter de conto moral indissociável das atribulações das personagens. E Cars, de John Lasseter e da sua Pixar, indiscutivelmente um dos melhores filmes de 2006, elegia à “small town America”, aos “wide open spaces”, à cultura automóvel que se baseia, primordialmente, numa ideia fortíssima de liberdade e, contraditoriamente, de comunidade. E são duas obras que, nas suas diferenças e semelhanças, revelam os actuais caminho do cinema de animação americano.


Over the Hedge é a história de um conjunto castiço de animais hibernadores que se vê liderado, contra a vontade da tartaruga Verne, o chefe anterior, por um manhoso guaxinim, RJ, conhecedor da abundância alimentar dos humanos, mas que tem de angariar comida para repor uma divida a um urso sanguinário, não para o Inverno. O que só é ampliado pelo facto de, durante a hibernação, um gigantesco subúrbio ter sido construído junto ao território dos animais. É um filme que, sendo razoavelmente banal, até nas sequências de acção que encena, se perde mormente na sua tendência vincadamente moralista, não na sua crítica ao despesismo dos humanos, mas na ideia de ética rasteira e mediana que parece percorrer a mensagem (relacionada, como quase sempre, com a noção da família como base da sociedade). Esgota-se à primeira sua visão, e ficam apenas as piadas cinéfilas.

Cars é nostálgico, adulto, belo, referencial e estimulante. História de Lightning McQueen, corredor de grandes capacidades mas a quem falta humildade, e de como este, por engano, acaba por ir parar a uma pequena cidade, Radiator Springs, esquecida no meio da Route 66 pela construção de uma auto-estrada. Conto moral, mas nunca moralista, sobre a importância do trabalho de equipa, da humildade e do respeito, é uma obra de profundo rigor técnico, numa esplêndida antropomorfização das viaturas, e com um carácter humanista capaz de, com razoável facilidade, atribuir carne às suas personagens. Destaque para a classe de Paul Newman e para Larry the Cable Guy, um dos mais interessantes comediantes americanos da actualidade.

Se Over the Hedge é dispensável, Cars afigura-se como de especial importância para perceber uma possível estratégia de mercado (e cultural) da Pixar: a progressiva complexificação de referências da companhia norte-americana (em que se inclui, por exemplo, as referências a Steve McQueen e a Rock Hudson ) não servirá para fazer evoluir os filmes da companhia à medida que o seu público-alvo cresce? Sobretudo porque, por comparação, se as mesmas referencias cinéfilas existem também no primeiro filme, a maturidade do guião não as acompanha. Cars um filme transversal, que sabe que o valor estético da animação é enorme, e que há quem o reconheça; Over the Edge quer agradar a crianças, e acaba por lhes agradar apenas a elas .

Etiquetas:

2 Comentários:

Blogger Francisco Mendes disse...

Plenamente de acordo!

Desde que nasceu, a Pixar deixa concorrências a milhas de distância... salvo algumas aproximações da animação autoral de Burton, do magistral tradicionalismo de Miyasaki e da paixão da Aardman. Cada novo projecto da Pixar é mais uma explosão de criatividade e arrebatamento, projectando o nível da genialidade animada para um patamar que se julgava interdito, ou já superado pelo predecessor.

É a companhia de maior sucesso hodierno, quer na sua vertente quantitativa como na vertente qualitativa. Se a perfeição é inalcançável, a Pixar esboça-a de forma esmerada.

7:54 da tarde, julho 21, 2006  
Blogger Daniel Pereira disse...

Vim agora de ver o "Carros" e não sabes o quanto gostei deste filme.

12:37 da manhã, julho 27, 2006  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial


Free Hit Counter