terça-feira, agosto 30, 2005

Notas Para a Definição do IndieLisboa 2005 pt. 1

A 2ª edição do Festival Internacional de Cinema de Lisboa, decorrida entre 21 de Abril e 1 de Maio, foi um sucesso esmagador. A meio da primeira semana, sete mil bilhetes tinham sido adquiridos e muita gente foi forçada a ver filmes diferentes daqueles que tinha planeado e, no caso das sessões nocturnas dos Sábados do festival, esgotadas muito antes do seu tempo, obrigadas a regressar a casa. O contacto da organização com os espectadores melhorou, e um cocktail, acessível através da compra de um bilhete para qualquer sessão do festival, foi organizado quotidianamente, com bebidas e aperitivos grátis e gente a acotovelar-se para entrar. Sobretudo, alguns dos realizadores participantes no ano anterior tiveram direito a dose repetida este ano, ameaçando assim atribuir ao IndieLisboa uma identidade muito própria, da mesma forma que Vicenzo Natali contribui para a identidade do FantasPorto. Face a todo este cenário, o único senão acabou por ser a mediania generalizada dos filmes exibidos.
(Texto em quatro partes - devido à sua extensão - e a completar nos próximos dias)

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Clássicos Esquecidos - II


Ao pensar em O Bruto, realizado em 1952 por Luís Buñuel, é inevitável referir a forma como as expectativas são goradas. Tudo no início, onde é descrito o conflito de classes que opõe D. Andrés aos seus inquilinos pobres, leva a crer que se seguirá o trilho do realismo social. O melodrama, como os sentimentos das personagens, tem pouco de realista e o social está no olho de quem vê. Buñuel concentra-o no início e no fim da obra (onde alguns viram, contra a vontade do autor, o despertar de uma consciência social), e opta por dançar uma lenta e detalhada valsa da impotência.
Quero com isto dizer que o filme gira em torno de uma teia de relações complexa, que o tira do ambito do previsível. Essa teia de relações atinge o seu máximo na relação entre D. Andrés e Pedro, o Bruto do título: a relação que se estabelece entre ambos é uma simbiose oportunista, em que um colmata as falhas do outro, e completam a dicotomia corpo/mente. Ambos avançam, no fundo, em direcção a uma distância total e irreconciliável, mas não deixam de ser faces de uma mesma moeda, feia, porca e má. Seres incompletos e, como tal, impotentes, reagem como podem à falta de controle da sua vida. Separam-se, apenas e só, porque os seus interesses divergem a dada altura, e porque Pedro descobre o amor. É uma boa metáfora do que pode ser uma relação paternal (D. Andrés criou e ajudou sempre Pedro, e a hipótese de uma paternidade secreta é aflorada), onde os defeitos se mantém, com algumas transformações, de pai para filho.
Como é tradicional no cineasta espanhol, há toda uma sexualização do imaginário, que reforça essa impotência porquanto a sexualidade é o terreno da escolha. Paloma priva-os dessa escolha, negando-se a Andrés e acossando Pedro, e revelando a incapacidade destes. Mas este é também o território das estupendas imagens de Buñuel, extremamente sensoriais. Desde os quatro lírios cortados até à dentada de Paloma no peito de Pedro, o que O Bruto mostra é um cineasta em pleno domínio das metáforas visuais, mesmo num filme de que não gostava.
Cinquenta e três anos passados, urge redescobrir O Bruto, exemplo do que pode valer o melodrama quando não é falado em português do Brasil.

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quarta-feira, agosto 24, 2005

Interferências Musicais - I


O disco dos Stone Roses - escrevo o disco porque o segundo, a meu ver, não é mais do que uma triste e vazia rodela prateada - foi uma revelação tardia para mim. Apareceu-me á frente por via de um colega de jornalismo académico, que o tirou da mala sem dizer "àgua vai!", desrespeitando, com a banalidade de que o acto se revestia para si, a curiosidade febril que tinha sentido durante anos. O empréstimo ajudou a iniciar a relação, que mantém o charme inicial e a sensação de frescura.

Li, há algum tempo, que Stone Roses (1989) era o ódio de estimação de Lloyd Cole, que os considerava meros ladrões de automóveis, incapazes de fazerem um bom tema, quanto mais um disco inteiro. Curioso é reparar que Lloyd Cole tem apenas um disco verdadeiramente bom, Rattlesnakes, editado cinco anos antes da obra supracitada... Ironia à parte, Cole não terá percebido que reside aí o encanto do registo, num manto diáfano de beleza a cobrir um quotidiano rude, como se Pasolini tivesse feito o seu Accatone em Manchester, com banda-sonora dos Beatles, dos Kinks e dos XTC, e com um protagonista a meio caminho entre Mick Jagger e Michael Caine. Sobretudo, do ponto de vista britânico, o àlbum tem o mérito de modernizar o caldeirão de referências referido, através dos ritmos dançáveis á época em voga, reiterando-as como essenciais a um estrato da população (a classe operária) e criando o paradigma do que viria a ser a britpop.
Começa com uma tripla infernal, I Wanna Be Adored, She Bangs The Drums e Waterfall, que, ao serem adornados, respectivamente, com estilhaços industriais, com pop à Smiths e com cascatas de guitarra, mostram quão largo pode ser o espectro pop. De realçar igualmente Made of Stone e Shoot You Down, a primeira bem ritmada e eficaz na sua previsibilidade estrutural (gostar de um género é gostar das suas convenções), a segunda viciantemente "funky", são demonstradoras de uma vivência á beira do abismo, e o disco vai, sintomáticamente, encerrar com a fanfarronice de I Am the Ressurection. A primeira como a última canção, mais do que atestar a inevitabilidade de um sucesso que nunca existiu, coloca-os no papel de Vitor Batista da pop britânica. Este auto-destructivo jogador do Benfica, talentoso como poucos, qualificou-se, numa frase que todo o benfiquista conhece, como "o melhor". Não o foi - diz quem viu -, mas poderia ter sido. Eles também.

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quarta-feira, agosto 10, 2005

Os Dias são à Noite


A Noite Americana (1973) não envelheceu bem. Aparece, trinta anos depois, como um exemplo de uma Nouvelle Vague que, na década de 70, caminhava para um conformismo formal que a transformou num academismo moderno. Se Godard continua a ser dificilmente catalogável, e se Rivette e Rohmer continuam a saber tornar alguma limitação formal numa plataforma para excelentes argumentos, Truffaut e Chabrol, entre outros, formaram, nalguns filmes, o paradigma de um cinema burguês, com produção séria e segura mas raras vezes inventivo, onde actualmente se enquadram, com melhores ou piores resultados, Chantal Akerman e Agnés Jaoui.
Contudo, se um argumento tem (e tem quase sempre) algo a dizer em relação á qualidade de um filme, A Noite Americana é ganha nesse patamar, precisamente o mesmo onde Uma Bela Rapariga (1972) e O Último Metro (1980) são desperdiçados. Como o próprio título indica, tendo em conta a técnica cinematográfica que lhe dá nome (a capacidade de filmar cenas nocturnas em pleno dia), este é um filme sobre o cinema enquanto artíficio, enquanto capacidade de juntar, através de pormenores, construcções e visões, um mundo. Mundo esse que aliás, nunca é independente da vida: tal como Truffaut, o cineasta por ele interpretado inspira-se em "fait-divers"que lê nos jornais, "rouba" frases aos seus colaboradores e usa filmes amados como fonte de ideias, num esquema narrativo que funciona, a um tempo, como prova de interacção entre vivência e arte e explicitação de um método. A aumentar esa auto-reflexividade, veja-se o plano de um gato a beber leite de um pires em A Sereia do Mississipi (1969) e uma cena similiar em
"Je vous présente Pamela", filme dentro do filme...
Por outro lado, o filme enquanto retrato das relações entre uma equipa de filmagens é uma belíssima comédia, onde eclodem paixões e conflitos que depois se desvanecem, automaticamente, com o término da rodagem. Destaque para Jean-Pierre Léaud no papel de Álphonse, actor com uma dose pouco recomendável de "teenage angst".
Na generalidade, é um belo filme, fruível sobretudo no quadro de prazer cinéfilo e gosto por Truffaut, mesmo que esteja muito datado (ouvir a música de Georges Delerue) e não tenha a típica pulsão passional de Truffaut (conferir Jules et Jim e La Femme d'à Coté).

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quarta-feira, agosto 03, 2005

Mais vale só...


In Good Company ( Uma Boa Companhia) é um filme banal, sobrevalorizado, impecavelmente bem feito mas inócuo. Não causa efeito, não deixa marcas, dura apenas duas horas. Dennis Quaid interpreta um director de secção de anúncios de uma revista desportiva de sucesso. Adquirida por um magnate, esta sofre uma reestruturação profunda, e Quaid é despromovido. O seu novo patrão (Topher Grace), que não o despede por conhecer a sua complicada situação familiar, envolve-se com a filha deste, Scarlett Johansson, causando perturbações na vida de todos.

Produção muito polida realizada por Paul Weitz ("About a Boy"), tem uma curiosa perspectiva sobre a globalização, nomeadamente criticando o facto de as corporações actuais se basearem na cinergia, a troca de capitais entre empresas do mesmo grupo de forma a que o público e a comunicação com este sejam meros pró-formas. Ao invés, a visão sobre o quotidiano familiar da personagem de Dennis Quaid defende, pela enésima vez, a visão da família americana como lugar de amor, de compreensão e de sacrifício, com capacidade de ultrapassar todos os problemas. E assim um lado do filme, banal e prevísivel, apaga outro, interessante e loquaz.

Nota apenas para os actores, que defendem garbosamente um filme que não o merece.

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