segunda-feira, fevereiro 26, 2007
domingo, fevereiro 25, 2007
sábado, fevereiro 24, 2007
Inquietação das Três da Manhã VI
Não estou particularmente inclinado a passar uma noite em claro para ver os Prémios da Academia, e aquele desfile de "olha-para-nós-os-ricos-belos-e-famosos". Mas será que quero abdicar de ver Martin Scorsese a levantar um Óscar?
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Horas na Cinemateca VIII
Europa 51 (1952) é, inegavelmente, um dos maiores filmes da história do Cinema, um monumento à sua arte como, de novo, um monumento à mulher amada, um petardo emocional como poucas vezes vi na minha ainda curta vida.
Nele, Roberto Rossellini faz a passagem, continuada, pelo menos, até ao fim da sua relação laboral e pessoal com Ingrid Bergman, de um testemunho dos tempos pós-guerra a – diferença fundamental – ao modo como as classes mais abastadas, a burguesia que iria fazer e lucrar com o milagre económico dos anos 50, viam a sociedade do seu tempo. Este é um cinema social, sem dúvida, mas que coloca no seu centro o drama de quem quer intervir socialmente longe de ideologias e credos. O drama pertence, por assim dizer, ao espírito livre, e tudo se jogará na relação deste com a moral da sua época.
Nele, Roberto Rossellini faz a passagem, continuada, pelo menos, até ao fim da sua relação laboral e pessoal com Ingrid Bergman, de um testemunho dos tempos pós-guerra a – diferença fundamental – ao modo como as classes mais abastadas, a burguesia que iria fazer e lucrar com o milagre económico dos anos 50, viam a sociedade do seu tempo. Este é um cinema social, sem dúvida, mas que coloca no seu centro o drama de quem quer intervir socialmente longe de ideologias e credos. O drama pertence, por assim dizer, ao espírito livre, e tudo se jogará na relação deste com a moral da sua época.
Não fosse o italiano um humanista como já há poucos, e estaríamos no domínio da caricatura, da sátira ou da crítica de costumes. Não estamos, porque interessa a Rosselini um processo de transformação interior, independentemente de credos ou de ideologias. É uma transformação inexplicável, para a qual, mais do que a morte do filho, terá contribuído a (re) descoberta do sofrimento em tempos de posteridade. Naturalmente, a sociedade, que cataloga como meio de controlo, não tolerará a existência de alguém que escape a esses pressupostos. Mesmo quando o camelo passa pelo buraco da agulha, predomina S. Tomé. O calvário desenvolve-se, e Cristo e Francisco de Assis (foi, aliás, a denominação do santo como louco por parte de Aldo Fabrizi, ao conhecer a sua história durante a rodagem de Francesco Giulliare di Dio, que motivou Rossellini a fazer Europa 51) encarnam numa mulher.
A eficácia desta obra-prima reside essencialmente em duas coisas: no seu tom emocional, que nunca cai no ridículo por não ter medo de o fazer, e na forma de filmar de Rossellini, cristalizada e plena de eficácia e economia. O Cinema popular é isto: traz o espectador para junto das personagens, mesmo as mais difíceis de explicar, é feito de modo a facilitar a compreensão e emociona com sagacidade e pureza. Em filmes destes é fácil e enriquecedor entrar e descobrir. Fossem todos assim.
***
Por altura de Viaggio a Italia (1954), já Bergman e Rossellini se estavam a separar. Este é, então, o filme da desagregação, uma história onde a difícil arte da esgrima conjugal é praticada perante os olhos do espectador. De uma frieza que nada tem a ver com a postura do filme anterior, Rossellini opta por fazer confluir nele um simbolismo óbvio (as diversas viagens de Katherine pela paisagem e pelos monumentos napolitanos, com os vapores sulfurosos do Vesúvio e a influência dos esqueletos nos vivos.) com uma literalidade clara e perceptível, despojada e imediata. É um filme bastante esparso, rarefeito e linear, e bastante menos humano que o seu prodigioso antecessor.
Nada disto é defeito, mas dá-lhe um lado anti-climático que não se esperava. Não é um mau filme, longe disso, mas não me pareceu a obra-prima por vezes apregoada.
Deixem-me pôr este de lado um pouco, vê-lo-ei daqui a uns tempos. Mas que me interessa? Poderei rever na minha cabeça Europa 51 as vezes que for preciso. Por agora, chega-me e sobra-me.
Deixem-me pôr este de lado um pouco, vê-lo-ei daqui a uns tempos. Mas que me interessa? Poderei rever na minha cabeça Europa 51 as vezes que for preciso. Por agora, chega-me e sobra-me.
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quarta-feira, fevereiro 21, 2007
A Doce Anarquia dos Resistentes
I don't know about you, but it always makes me sore when I see those war pictures... all about flying leathernecks and submarine patrols and frogmen and guerillas in the Philippines. What gets me is that there never was a movie about POWs - about prisoners of war.
Realizado e reescrito em larga medida por Billy Wilder, Stalag 17 (1953) foi adaptado da peça homónima de Donald Bevan e Edmund Trzcinski. Visa, como o demonstra a citação em epígrafe, ser um filme sobre a realidade escondida dos prisioneiros de guerra, frequentemente camuflada sob apologias do heroísmo e do espectáculo adjacentes aos conflitos armados. Com um enorme travo cómico, passa-se já em 1944, numa altura em que a vitória nazi era já uma miragem, facto que os presos, todos sargentos, desconhecem.
Dentro do campo, e mais precisamente do pavilhão quatro do mesmo, a batalha continua. E é uma batalha selvagem, onde a luta contra o inimigo chega a ser secundária face à mera luta pela sobrevivência e pelo bem-estar. De facto, a animosidade entre nazis e americanos é menor do que a animosidade entre os próprios prisioneiros, especialmente desde que os sucessivos planos de fuga e artimanhas furados criaram a sensação de existência de um delator no próprio pavilhão. A escolha recai em Sefton, o cínico negociante, agente de apostas e tudo o mais que se possa imaginar, interpretado com uma inigualável frieza por William Holden (vencedor do Óscar de melhor actor por este mesmo desempenho).
Passa, inclusivamente, pela personagem de Holden a definição do ambiente vivencial do campo. Sefton percebeu a certa altura, que mesmo todos americanos, o ambiente em que se movia não se compadecia com qualquer solidariedade ou compaixão. É uma visão concomitante com a do film noir, um niilismo que se confunde com instinto de sobrevivência. O mal-estar dos outros prisioneiros para com este recluso deve-se muito mais à perda da ilusão da solidariedade do que com o factor da traição, que até lhe é posterior. Sefton põe a sua sobrevivência à frente dos interesses do grupo, do conflito e do patriotismo, demonstrando que o ser humano, em situações limite, preocupa-se consigo mesmo primeiro que tudo. Mais do que a traição, os seus “companheiros” ressentem a quebra da ilusão.
A par com um estudo da psicologia de grupos e dos mecanismos que conduzem à nomeação de um bode expiatório, Stalag 17 é também um filme sobre a doce anarquia dos resistentes. Utilizando sobretudo a palavra e a irrisão como armas, os sargentos são um grupo que luta como pode contra o domínio a que estão sujeitos. Exemplo disso são os inefáveis Harry Shapiro e Animal, os mais eficazes comic-reliefs de que me consigo lembrar, e o seu estratagema para se juntarem às mulheres russas em processo de desparasitação, mas também a encenação de um comício hitleriano, com a ajuda do imitador de serviço, somente com o objectivo de chatear um dos oficiais. Não interessam os resultados práticos, interessa o combate, com todas as armas possíveis, por modo a manter a sensação individual de liberdade e de poder.
De uma tensão quase palpável, para o que terá contribuído a filmagem sequencial das cenas, por modo a que só no final da rodagem os actores soubessem quem era o traidor, a testosterona acumulada terá de encontrar forma de se libertar, ou não fosse este um filme de Billy Wilder. Assim, uma das sequências mais memoráveis de todo o filme é a da festa de Natal, onde todos os homens dançam uns com os outros, ao som de um libidinoso standard. Tanto quanto um filme sobre a traição, está-se perante um filme sobre as diferentes matizes da sobrevivência num contexto repressivo. Psicologicamente, é um filme que mostra a constante capacidade de adaptação do Homem às circunstâncias que o rodeiam, as mil e uma formas de sobrevivência e de ilusão de normalidade.
Destaque-se ainda a excelente participação de Otto Preminger no papel de chefe do campo, uma pequena piada cinéfila, se considerada a fama de tirano do outro cineasta austríaco, e o modo como Wilder trabalha o espaço fechado do pavilhão, fazendo sempre um excelente uso da profundidade de campo na definição do ambiente. E poucos são os cineastas que conseguiriam fazer uma revelação tão importante quanto a descoberta do traidor de uma forma quase exclusivamente visual e coreográfica, sublinhada pelo cantar em fundo do clássico When Johnny Comes Marching Home Again.
Como já disse Luís Miguel Oliveira, para Wilder, que perdeu a família nuclear num campo de concentração, o tratamento da Segunda Guerra Mundial no cinema era uma questão de vingança pessoal. Que a faça de uma maneira tão competente quanto esta, marcando sem dúvida a sua carreira, é a marca de um verdadeiro grande cineasta.
Realizado e reescrito em larga medida por Billy Wilder, Stalag 17 (1953) foi adaptado da peça homónima de Donald Bevan e Edmund Trzcinski. Visa, como o demonstra a citação em epígrafe, ser um filme sobre a realidade escondida dos prisioneiros de guerra, frequentemente camuflada sob apologias do heroísmo e do espectáculo adjacentes aos conflitos armados. Com um enorme travo cómico, passa-se já em 1944, numa altura em que a vitória nazi era já uma miragem, facto que os presos, todos sargentos, desconhecem.
Dentro do campo, e mais precisamente do pavilhão quatro do mesmo, a batalha continua. E é uma batalha selvagem, onde a luta contra o inimigo chega a ser secundária face à mera luta pela sobrevivência e pelo bem-estar. De facto, a animosidade entre nazis e americanos é menor do que a animosidade entre os próprios prisioneiros, especialmente desde que os sucessivos planos de fuga e artimanhas furados criaram a sensação de existência de um delator no próprio pavilhão. A escolha recai em Sefton, o cínico negociante, agente de apostas e tudo o mais que se possa imaginar, interpretado com uma inigualável frieza por William Holden (vencedor do Óscar de melhor actor por este mesmo desempenho).
Passa, inclusivamente, pela personagem de Holden a definição do ambiente vivencial do campo. Sefton percebeu a certa altura, que mesmo todos americanos, o ambiente em que se movia não se compadecia com qualquer solidariedade ou compaixão. É uma visão concomitante com a do film noir, um niilismo que se confunde com instinto de sobrevivência. O mal-estar dos outros prisioneiros para com este recluso deve-se muito mais à perda da ilusão da solidariedade do que com o factor da traição, que até lhe é posterior. Sefton põe a sua sobrevivência à frente dos interesses do grupo, do conflito e do patriotismo, demonstrando que o ser humano, em situações limite, preocupa-se consigo mesmo primeiro que tudo. Mais do que a traição, os seus “companheiros” ressentem a quebra da ilusão.
A par com um estudo da psicologia de grupos e dos mecanismos que conduzem à nomeação de um bode expiatório, Stalag 17 é também um filme sobre a doce anarquia dos resistentes. Utilizando sobretudo a palavra e a irrisão como armas, os sargentos são um grupo que luta como pode contra o domínio a que estão sujeitos. Exemplo disso são os inefáveis Harry Shapiro e Animal, os mais eficazes comic-reliefs de que me consigo lembrar, e o seu estratagema para se juntarem às mulheres russas em processo de desparasitação, mas também a encenação de um comício hitleriano, com a ajuda do imitador de serviço, somente com o objectivo de chatear um dos oficiais. Não interessam os resultados práticos, interessa o combate, com todas as armas possíveis, por modo a manter a sensação individual de liberdade e de poder.
De uma tensão quase palpável, para o que terá contribuído a filmagem sequencial das cenas, por modo a que só no final da rodagem os actores soubessem quem era o traidor, a testosterona acumulada terá de encontrar forma de se libertar, ou não fosse este um filme de Billy Wilder. Assim, uma das sequências mais memoráveis de todo o filme é a da festa de Natal, onde todos os homens dançam uns com os outros, ao som de um libidinoso standard. Tanto quanto um filme sobre a traição, está-se perante um filme sobre as diferentes matizes da sobrevivência num contexto repressivo. Psicologicamente, é um filme que mostra a constante capacidade de adaptação do Homem às circunstâncias que o rodeiam, as mil e uma formas de sobrevivência e de ilusão de normalidade.
Destaque-se ainda a excelente participação de Otto Preminger no papel de chefe do campo, uma pequena piada cinéfila, se considerada a fama de tirano do outro cineasta austríaco, e o modo como Wilder trabalha o espaço fechado do pavilhão, fazendo sempre um excelente uso da profundidade de campo na definição do ambiente. E poucos são os cineastas que conseguiriam fazer uma revelação tão importante quanto a descoberta do traidor de uma forma quase exclusivamente visual e coreográfica, sublinhada pelo cantar em fundo do clássico When Johnny Comes Marching Home Again.
Como já disse Luís Miguel Oliveira, para Wilder, que perdeu a família nuclear num campo de concentração, o tratamento da Segunda Guerra Mundial no cinema era uma questão de vingança pessoal. Que a faça de uma maneira tão competente quanto esta, marcando sem dúvida a sua carreira, é a marca de um verdadeiro grande cineasta.
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Shapiro: Hey Schultz, sprechen Sie Deutsche?
Sgt. Schulz: Ja?
Shapiro: Then droppen Sie dead!
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segunda-feira, fevereiro 19, 2007
A Fome de uma Alternativa
O trailer de Little Children, segunda obra de Todd Field depois do excelente In the Bedroom (2001), é enganador. Não estamos apenas perante um estudo da infidelidade, das suas razões, métodos e consequências. Estamos também perante um estudo, a um tempo tranquilo e emocional, sobre os subúrbios norte-americanos, sobre as pulsões individuais e sobre o modo de lidar com elas.
Vamos por partes. O casal central à trama, a sublime Kate Winslet e o excelente Patrick Wilson (de Angels in America, onde já dava mostras de um singular talento enquanto personificação da corrupção da inocência americana), desenvolvem a sua relação extraconjugal enquanto escape de uma realidade limitadora dos seus sonhos e perspectivas. Ela, licenciada em Literatura Inglesa que é mãe a tempo inteiro, ele, candidato renitente a advogado melindrado por não sustentar a casa, nada mais procuram do que a possibilidade de um sonho, de serem levados a sério, de terem quem acredite nas suas potencialidades. Esta é uma relação que não existe nos termos normais das relações. Não há qualquer conhecimento de personalidades, gostos partilhados, ou futuro. Todas estas vertentes são substituídas pelo desejo físico e pela oportunidade.
Esta é uma relação que se gera, em grande medida, enquanto reacção ao contexto em que vivem. Os subúrbios em geral, e os americanos em particular, pela existência em grande número de donas de casa cujas únicas ocupações são a criação da descendência e a coscuvilhice, fazem das zonas residenciais não simples dormitórios, mas miniaturas do espaço público. E se o que é pequeno dá segurança e controlo, também é o que gera o sufoco. A relação entre Sara e Brad é, desde o início, com a sequência do beijo junto aos baloiços, um desafio a estas normas. Nesse aspecto, não há qualquer vontade individual nesta relação a não ser a vontade de libertação. E é sintomático que, aquando da tomada consciente da decisão da fuga, as circunstâncias se conjuguem para a impedir. Fora daquelas condições, e quando o jugo castrador da moral parece ter perdido o poder, os sentimentos dissolvem-se no ar.
O episódio do exibicionista é sintomático de todas estas problemáticas, ao tratar de alguém que regressa a um cenário hostil, falha em resistir aos seus desejos e acaba por saber apenas lidar com a visão que os outros têm deles e que ele passa a ter de si próprio da maneira mais sangrenta e dolorosa. Os finais de ambas as tramas narrativas demonstram, então, que o filme é, mais do que sobre resoluções, sobre feridas abertas que não mais fecharão.
Esta é uma relação que se gera, em grande medida, enquanto reacção ao contexto em que vivem. Os subúrbios em geral, e os americanos em particular, pela existência em grande número de donas de casa cujas únicas ocupações são a criação da descendência e a coscuvilhice, fazem das zonas residenciais não simples dormitórios, mas miniaturas do espaço público. E se o que é pequeno dá segurança e controlo, também é o que gera o sufoco. A relação entre Sara e Brad é, desde o início, com a sequência do beijo junto aos baloiços, um desafio a estas normas. Nesse aspecto, não há qualquer vontade individual nesta relação a não ser a vontade de libertação. E é sintomático que, aquando da tomada consciente da decisão da fuga, as circunstâncias se conjuguem para a impedir. Fora daquelas condições, e quando o jugo castrador da moral parece ter perdido o poder, os sentimentos dissolvem-se no ar.
O episódio do exibicionista é sintomático de todas estas problemáticas, ao tratar de alguém que regressa a um cenário hostil, falha em resistir aos seus desejos e acaba por saber apenas lidar com a visão que os outros têm deles e que ele passa a ter de si próprio da maneira mais sangrenta e dolorosa. Os finais de ambas as tramas narrativas demonstram, então, que o filme é, mais do que sobre resoluções, sobre feridas abertas que não mais fecharão.
Se Little Children é um excelente filme, não o é apenas pelo tratamento clínico que Todd Field dá às temáticas tratadas. É, sobretudo, porque o consegue fazer com uma facilidade cinematográfica notável, e com uma incrível atenção ao pormenor. Repare-se na cena de abertura, plena de inserts dos relógios e dos bonecos de porcelana, a sequência de travellings que, confinados ao espaço da piscina municipal, demonstram soberbamente a passagem do tempo e o aprofundar de uma relação, ou a economia do jantar que junta traidores e traídos, e encontrar-se-á um realizador capaz de, através dos mais pequenos sinais, definir um universo. E, se fala tanto e tão gratuitamente de Stanley Kubrick, porque não radicar Todd Field no olhar sirkiano sobre os subúrbios e no bisturi penetrante de Otto Preminger?
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quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Horas na Cinemateca VII
Tenho e sempre tive alguns problemas com o realismo e seus prefixos e sufixos – mesmo adorando o realismo poético de Anton Tchekov, sempre pensei que grande parte dos autores realistas tendiam a preferir um processo cumulativo a um processo evolutivo. Foi o que vi em L’Enfant dos Dardenne. Mas quanto mais penso no filme, mais sinto vontade de o rever, de lhe dar uma segunda oportunidade. Afinal, se gostei tanto de Rosetta (1999), alguma coisa deve ter havido neles que me cativou.
Serve o exemplo dos Dardenne e de uma crítica que, se calhar, virei a renegar, para contextualizar a minha aversão inicial à obra de Roberto Rosselini. Nunca negando a importância da sua obra para a formação do cânone moderno do Cinema, em que a pulsão de vida substituía o artificialismo do estúdio (sem conotações morais, ambas as estéticas têm a sua validade), achava os seus filmes feios e enfadonhos. Comecei algo mal, diga-se: La Paura (1954), filme final do quinteto Bergmaniano, é um filme que só ganha conhecendo-se de antemão o contexto da sua feitura e a desintegração total da relação conjugal que ele preconiza. Avancei por Roma Cidade Aberta (1945), que me parece, na sua busca incessante pela verdade, um acto de apagamento pessoal, uma submissão ao ser das coisas que, normalmente, não procuro no Cinema. Prossegui com Alemanha Ano Zero (1948), que acho interessantíssimo no retrato de um tempo que, espera-se, nenhum de nós verá repetido, misto dos mais puros e animais sentimentos humanos com as ruínas que os fazem sobressair. Fiquei mais impressionado que conquistado. Até que cheguei a Stromboli (1950), e aí caí de joelhos. É um dos mais fortes monumentos à mulher amada que conheço. Quando o filme começa, Ingrid Bergman é uma presença que fascina o cineasta; quando o filme acaba, com a prodigiosa sequência do vulcão, já não há mais razão de ser do filme, tudo se verga perante o esmagamento daquela paixão. Daí que a Bergman irradie luz como nunca antes tinha feito. E agora, a minha reconciliação com Rosselini prossegue, por intermédio deste belíssimo Francesco Giullare di Dio (1950).
Reconstrução episódica e fragmentária da fundação da ordem franciscana, é um excelente exemplo de uma visão católica que privilegia a ética em detrimento da moral. É um filme sobre o prazer de fazer o Bem, a quase onanista relação que alguém pode ter com Deus. A constituição da ordem aparece como um momento de treino para a caridade em que desaparece a noção de milagre: nada há de sobrenatural nestas pessoas a não ser a sua vontade de fazer o que está certo. Desaparece o fogo do Inferno, ficam os sentimentos beatíficos. Tudo é um constante exercício zen de comoção, de auto-confiança, de ascese procurada. A inocência serve de arma contra os hipotéticos cinismo e demotivação gerados por um labor com poucos resultados imediatos. E a religião torna-se, como há muito para mim não era, um monumento à beleza, como nos quadros renascentistas tão citados a propósito deste filme. Perante tal avalanche de sentimentos, que me interessa se o som é directo, se os diálogos são improvisados ou se a luz é natural? O que interessa tem um nome claro: beleza.
Uma coisa apenas falhou nesta sessão: a já tradicional escassez das legendas, onde o tradutor tenta resumir numa só frase um discurso mais extenso ou, ao invés, escolhe, de um discurso inteiro, as frases que crê essenciais. Num filme italiano, dadas as semelhanças linguísticas, até nem é grave. Mas e se fosse um Ozu ou um Tarkovsky?
Serve o exemplo dos Dardenne e de uma crítica que, se calhar, virei a renegar, para contextualizar a minha aversão inicial à obra de Roberto Rosselini. Nunca negando a importância da sua obra para a formação do cânone moderno do Cinema, em que a pulsão de vida substituía o artificialismo do estúdio (sem conotações morais, ambas as estéticas têm a sua validade), achava os seus filmes feios e enfadonhos. Comecei algo mal, diga-se: La Paura (1954), filme final do quinteto Bergmaniano, é um filme que só ganha conhecendo-se de antemão o contexto da sua feitura e a desintegração total da relação conjugal que ele preconiza. Avancei por Roma Cidade Aberta (1945), que me parece, na sua busca incessante pela verdade, um acto de apagamento pessoal, uma submissão ao ser das coisas que, normalmente, não procuro no Cinema. Prossegui com Alemanha Ano Zero (1948), que acho interessantíssimo no retrato de um tempo que, espera-se, nenhum de nós verá repetido, misto dos mais puros e animais sentimentos humanos com as ruínas que os fazem sobressair. Fiquei mais impressionado que conquistado. Até que cheguei a Stromboli (1950), e aí caí de joelhos. É um dos mais fortes monumentos à mulher amada que conheço. Quando o filme começa, Ingrid Bergman é uma presença que fascina o cineasta; quando o filme acaba, com a prodigiosa sequência do vulcão, já não há mais razão de ser do filme, tudo se verga perante o esmagamento daquela paixão. Daí que a Bergman irradie luz como nunca antes tinha feito. E agora, a minha reconciliação com Rosselini prossegue, por intermédio deste belíssimo Francesco Giullare di Dio (1950).
Reconstrução episódica e fragmentária da fundação da ordem franciscana, é um excelente exemplo de uma visão católica que privilegia a ética em detrimento da moral. É um filme sobre o prazer de fazer o Bem, a quase onanista relação que alguém pode ter com Deus. A constituição da ordem aparece como um momento de treino para a caridade em que desaparece a noção de milagre: nada há de sobrenatural nestas pessoas a não ser a sua vontade de fazer o que está certo. Desaparece o fogo do Inferno, ficam os sentimentos beatíficos. Tudo é um constante exercício zen de comoção, de auto-confiança, de ascese procurada. A inocência serve de arma contra os hipotéticos cinismo e demotivação gerados por um labor com poucos resultados imediatos. E a religião torna-se, como há muito para mim não era, um monumento à beleza, como nos quadros renascentistas tão citados a propósito deste filme. Perante tal avalanche de sentimentos, que me interessa se o som é directo, se os diálogos são improvisados ou se a luz é natural? O que interessa tem um nome claro: beleza.
Uma coisa apenas falhou nesta sessão: a já tradicional escassez das legendas, onde o tradutor tenta resumir numa só frase um discurso mais extenso ou, ao invés, escolhe, de um discurso inteiro, as frases que crê essenciais. Num filme italiano, dadas as semelhanças linguísticas, até nem é grave. Mas e se fosse um Ozu ou um Tarkovsky?
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segunda-feira, fevereiro 12, 2007
Piores do ano: aceitam-se inscrições
Vamos lá despachar isto: Há um actor de terceira, conhecido por fazer de Super-Homem na televisão, que aparece morto em sua casa. Há a amante deste, esposa de um maníaco executivo da MGM, que tem motivos para o matar. Há um agente quem pela primeira vez num filme é retratado como sendo boa pessoa. E há um detective que, pela primeira vez num filme, tem a vida em farrapos e precisa de aparecer e de mostrar a sua competência. E há um filme chamado Hollywoodland, mal feito, desconexo, irritante, despropositado, desorganizado, que não merece sequer estar na mesma loja que os filmes sobre Hollywood que tenta emular (Sunset Boulevard, por exemplo). Fujam dele a sete pés.
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sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Horas na Cinemateca VI
O recente ciclo da Cinemateca dedicado a Otto Preminger era uma necessidade. Laura (1944), Anatomy of a murder (1959) e Angel Face (1952 - soberbo o último, muito bons os dois primeiros) são filmes sobejamente conhecidos, mas há todo conjunto de filmes pouco vistos a rodeá-los, mesmo que tenham sido sucessos no seu tempo.
De entre esses, Forever Amber (1947) é o mais estranho, uma espécie de Vanity Fair mesclado de melodrama e com pozinhos de onirismo. A Amber do título é uma jovem voluptuosa (para o que muito contribui o aspecto agradabilíssimo de Linda Darnell, ela de Letter to Three Wives, 1949, de Joseph L. Mankiewicz e de My Darling Clementine, 1946 de John Ford) e ambiciosa, presa à família de puritanos que a adoptou aquando subida ao poder de Oliver Cromwell. Foge para Londres quando Carlos II (interpretado pelo sempre excelso George Sanders, outro actor de Mankiewicz e, por exemplo, de Viagem a Itália, 1954, de Rosselini) recupera o coroa para procurar Bruce Carlton, garboso candidato a corsário. Peripécia atrás de peripécia, falha todos os seus objectivos, tornando-se desterrada.
Filme de época em tons de melodrama dos anos 50 – para o que contribuirá a inicial contratação de John M. Stahl para realizador, despedido posteriormente por Darryl F. Zanuck – ganha-se na tensão entrte o pólo sentimental e a frieza analítica de Preminger, essentialmente um demonstrador da natureza e das motivações das suas personagens. Destaque último para o sexo, constante em toda esta fita, ou não fosse esta a estória (com brilhantes momentos de terror, como o da morte do marido de Amber) de uma mulher que passou por cima de todos e se pôs debaixo de todos sempre que lhe dava jeito. E o final, se não é nem uma vitimização nem uma punição, é porque mostra que esta cabra é uma entre iguais.
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quinta-feira, fevereiro 08, 2007
domingo, fevereiro 04, 2007
Descobertas Recentes
Mandar uma bola ao poste é azar.
Mandar duas bolas ao poste é muito azar.
Da terceira bola ao poste em diante, é pura azelhice.
(Dedicado ao meu amigo Daniel.)
Desculpem os sucessivos posts sobre bola, mas preciso de tempo para reflectir sobre Cinema, e tempo é algo que não tenho tido. Em breve, tudo voltará ao normal.
Mandar duas bolas ao poste é muito azar.
Da terceira bola ao poste em diante, é pura azelhice.
(Dedicado ao meu amigo Daniel.)
Desculpem os sucessivos posts sobre bola, mas preciso de tempo para reflectir sobre Cinema, e tempo é algo que não tenho tido. Em breve, tudo voltará ao normal.
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quinta-feira, fevereiro 01, 2007
Conversão ao narcisismo e outras estórias
A primeira impressão que se tem do momento em que Woody Allen aparece pela primeira vez em Scoop, é a velhice do nova-iorquino mais neurótico de todos. Mirrado, enrugado e com cada vez menos cabelo, é já como que um simulacro, uma lembrança longínqua daquela figura que viramos sair a dançar do consultório médico em Hanna e as suas irmãs (1986). Naturalmente, todo esse processo de envelhecimento se tem reflectido nos seus filmes. Não é apenas a repetição exaustiva dos mesmo métodos filmicos – ainda mais notória que a sua repetição temática. É muito mais a ideia de um caminho que, pelo que vem de trás, terá de continuar sempre na mesma direcção. Match Point (2005), melhor Woody Allen em muitos anos, não era exactamente uma cura para a doença que é o tempo. Era mais uma transfusão de sangue: dava energia durante um período limitado, mas não resolvia nada. A repetição não é um mergulho em si mesmo – à maneira de Ozu –, é uma fuga para a frente.
Chegados a Scoop, percebemos imediatamente que o efeito positivo da Inglaterra já se esgotou e que tudo encarrilou exactamente da mesma forma que antes. Esta sua última obra lida, como em Manhattan Mystery Murder (1993), por exemplo, com um par de investigadores bastante toscos, ele ilusionista com um discurso bafiento e repetitivo para todos aqueles que encontra, ela jovem sensual que tenta provar que o Assassino do Tarot é um galã podre de rico e de bom (cada vez admiro mais a competência de Hugh Jackman), e que descobrirão, por entre desventuras e algumas réplicas de grande nível, que afinal estavam sempre certos, como lhes disse o fantasma do jornalista que encontraram, e etc. e tal. Nada de novo, nada de anormal.
Todo o filme é, então, Allen igual a si próprio, sem surpreender, sem inovar, sem ferir. O que não quer dizer, contudo, que Scoop seja totalmente preterível. Enquanto houver piadas como “Comecei por ser judeu mas depois converti-me ao narcisismo” um bilhete será sempre justificado. Mesmo que isso, no limite, mais não faça do que lembrar o que já passou.
Um dos problemas do filme reside, inclusivamente, na escolha de Scarlett Johansson para nova musa do cineasta. As mulheres sempre foram, em boa verdade, muito mais importantes no universo de Allen do que os homens, e a prova disso é que enquanto Allen contou com pouquíssimos homens como participantes regulares nos seus filmes – Alan Alda e Tony Roberts são dos poucos que se destacam -, o panteão de musas allenianas é muito maior. Dianne Keaton, Mia Farrow, Dianne Wiest e Judy Davis são bons exemplos. Mas todas estas mulheres, sendo bonitas, não eram o portento de sensualidade que é Johansson. E, como tal, ao contrário desta última, nenhuma se presta a objectificação. E Scarlett, como, aliás, no resto da sua carreira, presta-se singularmente a ela.
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